Após caso do ‘BBB’, especialistas debatem relacionamentos abusivos

12 de abril, 2017

Eles destacam que, muitas vezes, é difícil para a própria vítima identificar a violência

Ele traz sequelas psicológicas ou físicas, podendo até matar. Mas muitos, inclusive a própria vítima, não o entendem como uma prática violenta. A lógica destrutiva do relacionamento abusivo, pilar da violência doméstica, voltou às rodas de conversa em todo o país após um caso exibido na televisão, pelas câmeras do “Big Brother Brasil”. As imagens do participante Marcos Harter agindo de forma agressiva com Emilly Araújo levaram não apenas à expulsão dele do programa, mas à criação de um movimento de solidariedade e alerta na internet. Muitas mulheres relataram suas histórias nas redes sociais usando a hasthtag #EuViviUmRelacionamentoAbusivo, e o assunto foi, ontem, o mais comentado do Twitter. Com os testemunhos, essas mulheres ajudaram outras a perceberem indícios de quando a relação amorosa passa a seguir esse caminho perigoso.

(O Globo, 12/04/2017 – acesse no site de origem)

“Começa com um grito, com um puxão no braço e com a típica fala ‘você me fez fazer isso com você’”, descreveu uma das internautas. A diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher do Rio, delegada Marcia Noeli Barreto, que cuida da investigação sobre o caso de Marcos e Emilly, comemora a grande repercussão.

— Eu não acompanho o programa, então o que me alertou para a existência desse caso foi justamente a quantidade de pessoas comentando sobre ele, reprovando-o nas redes sociais. E me deixa muito feliz saber que, agora, mulheres estão se sentindo fortes o suficiente para compartilhar suas experiências — destaca ela. — É importante que as pessoas se percebam dentro do problema e busquem seus direitos. Nenhum caso que chegar até nós deixará de ser investigado.

A delegada explica que a Lei Maria da Penha, instituída em 2006, prevê punição não somente para situações de violência física, mas também psicológica, moral e patrimonial — quando o agressor controla o dinheiro e os bens da vítima, não a deixando dispor deles da maneira que ela quiser ou impedindo-a de trabalhar, por exemplo. A pena, para qualquer uma dessas circunstâncias, é de um a três anos de prisão, e quem decide sobre essa variação é o juiz, de acordo com a gravidade de cada caso.

— Antes da Lei Maria da Penha, o que nos angustiava era que a pena era sempre alternativa, como pintar escola ou recolher lixo. A lei foi importantíssima para fornecer mais instrumentos para que esse crime seja levado a sério — ressalta Marcia Noeli.

O que diferencia a violência física das outras é que, quando ela ocorre, qualquer pessoa pode denunciar. Mas quando se trata de um abuso psicológico, por exemplo, apenas a vítima pode fazer a denúncia. E, na maioria das vezes, ela não é feita, conforme indicam vários estudos. Uma pesquisa divulgada em 2013 pelo Data Popular, por exemplo, mostra que 51% das jovens de 14 a 24 anos já sofreram algum ato de violência após o fim de um relacionamento, mas só 2% fizeram boletim de ocorrência.

Para a psicóloga e psicanalista Renata Bento, perita em Vara de Família, isso é recorrente porque existe um vínculo emocional entre a vítima e o agressor que é difícil de ser rompido.

— A ideia de que a mulher deve ser entendida a partir da relação com o homem é histórica. Isso vem sendo cada vez mais colocado em xeque, felizmente, mas é uma lógica tão incrustada em nós que leva muito tempo para ser mudada — pontua ela. — E existe entre a vítima e o agressor uma engrenagem que funciona como uma prisão emocional. Em geral, ela não o denuncia porque já foi tão humilhada que acha que não encontrará outra pessoa e tem medo da solidão. Ou porque pensa que ela própria provocou as reações violentas do parceiro. Ou, ainda, porque tem extrema dependência financeira dele. Muitas, especialmente as que têm menos escolaridade, vivem a infância e a adolescência “pertencendo” ao pai. E, na fase adulta, passam a “pertencer” ao parceiro.

Clique aqui para assistir a uma entrevista realizada no estúdio do GLOBO com a psicóloga Ana Carolina Hoppen sobre o tema.

ATITUDES MACHISTAS

Tanto para a mulher quanto para o homem, nem sempre é fácil identificar quando existe uma situação de abuso. Segundo a mesma pesquisa do Data Popular, 41% da população dizem conhecer um homem que já foi violento com a parceira, mas apenas 16% dos homens assumem terem estado em tal posição. Entretanto, quando uma lista de atitudes violentas foi apresentada aos homens entrevistados pelo levantamento, 56% deles admitiram ter cometido alguma atitude que caracterizava violência.

— A sociedade não aceita mais atitudes machistas — afirma o secretário de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos, Átila Nunes. — É preciso criar grupos de debate e trabalharmos questões de machismo e de gênero. Nós temos que desconstruir pensamentos engessados. A violência contra a mulher não é só física. A agressão moral também machuca e deixa sequelas.

Além de ir a delegacias para denunciar, é possível relatar casos assim no Disque Mulher: (21) 2332-8249.

Clarissa Pains

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