Como a Justiça brasileira trata casos de assassinatos de mulheres

19 de março, 2017

Apesar da histórica lentidão judicial, legislação que tipifica o feminicídio a partir de 2015 significa um avanço e pode tornar os processos mais eficientes

A lei que transformou em crime hediondo o assassinato de mulheres por questão de gênero no país completou dois anos na quinta-feira (9 de março). Com a legislação, o Código Penal foi alterado para incluir outra categoria de homicídio qualificado (ou seja, um assassinato com circunstâncias agravantes, previstas na lei): o que é praticado “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”.

(Nexo, 19/03/2017 – acesse a íntegra no site de origem)

De inquéritos a denúncias

Dados do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) obtidos pelo Nexo mostram que, durante o primeiro ano de vigência da nova legislação, cerca de metade dos inquéritos abertos para apurar feminicídios acabou se transformando em denúncias dos acusados.

Entre 10 de março de 2015 e 10 de março de 2016, houve 2.686 inquéritos instaurados para apurar feminicídios em todo o Brasil. Desse total, 90 foram arquivados, 86 desclassificados e 1.420 resultaram em denúncias oferecidas à Justiça, o que corresponde a 52,9% dos casos. Os demais 1.090 correspondiam a investigações em curso, conforme o CNMP.

Segundo Luciana Boiteux, professora associada de direito penal e criminologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ainda não é possível saber se, em virtude da recente tipificação do feminicídio, os casos passarão a tramitar e ser concluídos com maior celeridade.

“A Justiça brasileira é bastante lenta em geral, especialmente no caso de crimes contra a vida, que são julgados pelo Tribunal do Júri, cujo procedimento é mais longo e formal, e tem ainda duas possibilidades de recursos. As evidências mostram no geral uma longa espera pelo resultado de julgamentos em crime de homicídio, cabendo, agora, uma avaliação, a partir da tipificação do feminicídio, se vai haver, ou não, uma demora maior nesses casos” – Luciana Boiteux, professora de direito penal da UFRJ

A importância da identificação de um tipo crônico de crime

A tipificação do feminicídio foi importante para que uma forma de crime estrutural na sociedade brasileira pudesse ser tratada e combatida de forma mais direta e eficaz. É a avaliação da promotora Lúcia Iloizio, do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro. De acordo com ela, há especificidades desse tipo de assassinato:

  • Diferentemente dos homicídios praticados no contexto de violência urbana, há proximidade e intimidade entre o agressor e a vítima, o que facilita a prática do crime;
  • Muitas vezes em feminicídios há o emprego de requintes de crueldade contra a vítima.

Ainda de acordo com Iloizio, que coordena o Grupo Especial de Combate a Homicídios de Mulheres da Promotoria fluminense, quando os crimes ganham uma denominação clara, podem ser trabalhados de maneira mais eficaz.

“Você passa a ter maiores dados estatísticos, começa a quantificar. Por exemplo, nas tabelas dos tribunais já há um item específico com relação ao feminicídio. Enfim, fica mais fácil de trabalhar, identificar e dar visibilidade ao problema.”

Caio do Valle

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