‘Estupro pode acontecer entre casais’, critica socióloga sobre cena polêmica de ‘Game of thrones’

25 de abril, 2014

(O Globo, 25/04/2014) A cena do estupro na cultuada série de TV “Game of Thrones” está mobilizando a internet, atraindo atenção até de quem não acompanha o programa. A relação sexual começou com o personagem Jaime Lannister obrigando sua irmã, Cercei Lannister, a fazer sexo com ele perto da tumba do filho do casal. Os fãs não gostaram nada da sequência, que destoa da história original, publicada em livro. Pressionado, o diretor Alex Graves disse que a relação “começou forçadamente, mas terminou com consenso”. Foi a deixa para ainda mais polêmica.

Pode um estupro se tornar sexo consensual? Coordenadora executiva da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), a socióloga Jacqueline Pitanguy, ironiza a alegação do diretor. Ela lembra que, como na série, em que a relação forçada acontece entre os amantes, também na vida real pode haver estupro em uma relação estável, de namoro, de vida comum ou de casamento.

Ao lado do corpo de Joffrey, Jamie seduz a amante e acaba forçando a relação sexual Divulgação

Ao lado do corpo de Joffrey, Jamie seduz a amante e acaba forçando a relação sexual Divulgação

– Só o público acha que teve estupro, né? Já existem jurisprudência e mudanças de interpretação no sentido de aceitar que estupro pode não ser só uma relação de força e violação de direitos humanos, ou algo entre desconhecidos. Estupro pode acontecer entre casais – diz Jacqueline, para quem o estupro ficou claro. – Ela pode não querer por mil razões, seja esta qual for. Que o homem tente, tudo bem. Que faça carícias, também, mas se ela diz “hoje eu não posso”, ou “não quero”, e ele não respeita, está estabelecida a relação de autoridade e, nesse caso, o estupro.

Já a antropóloga Miriam Goldenberg, que estuda o universo feminino, acredita que o diretor tenha apelado para um “velho clichê” para se justificar e tentar diminuir a temperatura da polêmica.

– O senso comum gira em torno da velha história de que, quando a mulher diz “não” ela está dizendo “sim”. Esse clichê, tão antigo e ainda arraigado, quer dar a entender que, muitas vezes, a própria resistência da mulher faz parte de um jogo de sedução para ficar mais atraente para o homem, que é o caçador e não gosta de presas fáceis.

Miriam Goldenberg, apesar de rejeitar a fala do diretor e suas justificativas, também celebra a reação dos fãs. Ela avalia que a indignação geral vem da ideia de que a negação da mulher é legítima e tem que ser respeitada.

– A própria fala do diretor, por si só, já é interessante. O fato de ele ter que se desculpar de algo construído na ficção, irrealizável, mostra que essa situação está vinculada a uma realidade muito atual. O fã está querendo dizer que existe um limite até na ficção. O diretor tentou se defender, mas não conseguiu.

Na cena, exibida no último domingo, Cercei (Lena Headey) está velando o corpo do filho Joffrey quando seu amante chega para consolá-la. Jamie (Nikolaj Costar-Waldau), ao lado do corpo do garoto, tenta seduzir a amante e acaba forçando-a, ali mesmo. A garota se debate e pede para que ele pare várias vezes. Apesar da polêmica, o diretor Alex Graves chegou a dizer que foi uma das suas cenas favoritas do programa.

No Brasil, onde a série tem um número gigantesco de fãs, as redes sociais não pararam de repercutir a cena e, principalmente, a fala do diretor.

Tema está nas telas

Não é preciso ir muito longe para entender, na ficção, o tal jogo de sedução sedimentado pelo olhar da TV e do próprio cinema quando se fala de uma relação entre homem e mulher. Na cena que foi ao ar nesta quinta-feira (24), na novela da TV Globo “Em Família”, de Manoel Carlos, o músico Laerte, vivido pelo ator Gabriel Braga Nunes, entra em cena justamente como esta figura do “caçador” citado por Miriam Goldenberg. A garota não quer dar um beijo no músico, mas ele usa a força para tentar dissuadi-la e imobilizá-la. Laerte acaba por recuar, mas já é tarde. Luíza reage mal e ele vê que passou do ponto com a menina, que tem 18 anos na trama.

Miriam Goldenberg questiona:

– Quantas e quantas cenas de novelas no Brasil já não mostraram isso tantas vezes (o tal jogo de sedução)?

Na própria série “Game of Thrones”, várias cenas de estupro já foram ao ar, nenhuma, no entanto, com a mesma repercussão. Em uma delas, os personagens Daenerys Targaryen e o marido Khal Drogo estão recém-casados e ele força a mulher a manter relação sexual. Já em “House of Cards”, a personsagem Claire Underwood inicia uma campanha contra a violência sexual depois de revelar em uma entrevista que foi estuprada por um homem, que se tornou, na atualidade, um condecorado general do Exército.

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