Estupros na capital, por Debora Diniz

15 de agosto, 2014

(Correio Braziliense, 15/08/2014) Julho foi um mês de terror para as mulheres na capital do país. A estatística da segurança pública conta que 53 mulheres foram estupradas, um quarto delas por homens desconhecidos. O espanto esteve no número e nos autores.

O número exige pausa, um intervalo para elaborarmos o medo, cuidarmos das vítimas e pensarmos a resposta. Esse é o registro oficial – não sabemos quantas mulheres sobreviveram ao estupro e se resignaram ao silêncio. Cinquenta e três foram as que acreditaram no Estado para se protegerem da violência.

Essas mulheres reclamam a nossa presença. Mas há ainda outra razão para o espanto nas notícias – o agressor ser um sujeito desconhecido, aquele que seleciona mulheres na rua e não na casa. O risco não seria mais de algumas, mas de todas nós, sugere o enquadramento do medo.

Há uma ambiguidade no espanto de o agressor ser um homem anônimo e não da casa. Por um lado, é verdadeiramente assustador, pois parece ser a violência da casa já fato ordinário. Não há nada de ordinário na casa como asilo de terror para as mulheres ou nos vínculos de afeto e dependência como relações violentas.

O mesmo espanto do estupro da rua deve nos guiar sobre o estupro da casa – são gestos violentos de alienação e subordinação dos corpos de meninas e mulheres. Se na casa são pais e maridos, e na rua homens anônimos, o regime de terror não se altera: são os corpos das mulheres como objeto de apropriação pelos homens. Alguns agregam ao território da casa os corpos das mulheres, outros o fazem no território público. Repito, o gesto é o mesmo – estupro é alienação das mulheres pelo regime do sexo.

A notícia nos espantou pelo número e pela geografia: muitas mulheres e estupro na rua. Sim, algo pode ter mudado no cenário violento, mas é preciso conhecer qual rua é perigosa para as mulheres, pois a casa parece ser para todas. E mais ainda: para quais mulheres a rua é violenta?

As mulheres com nomes e região nas histórias de estupro da capital eram jovens, viviam na Ceilândia, transitavam pelas ruas cedo ou tarde da noite. Eram estudantes ou trabalhadoras, moviam-se pela cidade como parte da vida cotidiana.

As ruas são escuras e o transporte público, precário. Se as mulheres temem esse regime de mobilidade, os agressores fazem uso dele para se apossar das vítimas. Esse é o cenário da violência: antecede e acompanha as mulheres, e não será alterado por mais policiamento nas ruas.

Essa é a pausa que gostaria de sugerir ao espanto. A resposta à estatística do estupro da capital não pode se resumir a maior vigilância policial. A polícia é a resposta final de uma política de proteção às mulheres nas ruas, mas primeiro é preciso reconhecer que mulheres jovens, estudantes e trabalhadoras, habitantes da periferia da capital sobrevivem ao risco cotidiano de violência porque o Estado ignora suas necessidades.

O estuprador da rua é um sujeito que também conhece o regime de precarização a que as mulheres estão submetidas – não é por acaso que as mulheres foram violentadas em áreas escuras, com pouca circulação, em horários de solidão. Mas, se, em julho, 53 foram violentadas, diariamente outras atualizarão a cena de fragilização que expôs as vítimas ao ódio violento dos estupradores.

Nosso espanto deve direcionar nossa atenção às sobreviventes. Elas precisam ser cuidadas, ter seus direitos e necessidades protegidos – da saúde ao retorno à vida. Elas precisam acreditar que foram vítimas de um regime extenso de precarização; nada do que fizeram ou são justifica a violência.

Nosso espanto deve ser com a persistência do estupro, na casa e na rua, como gesto disciplinador das mulheres. Homens estupradores da rua ou da casa são igualmente mensageiros do terror, acreditam controlar as mulheres pela penetração de seus corpos.

Mas nosso espanto deve ser também com o que se anuncia como resposta adequada ao terror: o pedido coletivo de repressão policial e vigilância. A sobrevivência das mulheres não pode ser dependente da força policial, mas de um regime político que as reconheça em igualdade para a vida. Na casa ou na rua.

Acesse o PDF: Estupros na capital, por Debora Diniz (Correio Braziliense, 15/08/2014)

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