As questões LGBT estão em último lugar na preocupação das pessoas, por Kim Badawi

29 de junho, 2016

(HuffPost Brasil, 29/06/2016) Em casa, seguro, com a mulher que amo capotada do meu lado. São 6h22 aqui no Rio de Janeiro.

Ontem à noite, um amigo de longa data, uma das primeiras pessoas que conheci nesta nova cidade anos atrás, me manda uma mensagem: “Estão vindo pra festa? Vocês estão na lista, queridos”.

Momentos antes minha parceira e eu estávamos comendo uma salada que eu improvisei com o que tinha na geladeira, enquanto assistia a vídeos de YouTube no Facebook.

É inverno no Brasil, e está frio lá fora. Eram 2h quando respondi: “Obrigado, meu amigo, estamos indo”. Chamamos um Uber. Afinal de contas, era sábado à noite.

Ao longo dos anos, vi esse amigo evoluir de um jovem artista carregando seu caderno para cima e para baixo para se tornar um designer talentoso; e, nos últimos anos, um DJ e promoter de festas bem-sucedido. Talvez ele seja hoje uma das figuras mais reconhecidas na sua comunidade: a cena gay ou LGBT brasileira – como se diz na imprensa hoje em dia.

Gays, lésbicas, bissexuais e transexuais ainda são marginalizados na cultura mainstream brasileira. O Rio de Janeiro é considerado a cidade mais “amigável” para os gays no País, apesar da ocorrência frequente de crimes homofóbicos.

Abalado por um impeachment presidencial, escândalos de corrupção e problemas em obras bilionárias, fica cada vez mais evidente a preocupação crescente de que o Rio talvez não esteja pronto para receber os Jogos Olímpicos. Talvez mais óbvias sejam as desigualdades e injustiças sociais. As questões LGBT estão em último lugar na preocupação das pessoas.

Apesar de campanhas para disseminar mensagens em outdoors, lembrando os moradores de que “homofobia é crime”, a violência contra a população LGBT está crescendo. Em parte porque, assim como nos Estados Unidos, políticos conservadores de direita, como o futuro candidato à Presidência Jair Bolsonaro, incentivem esse tipo de ação radical por parte de seus eleitores.

Na véspera do ataque em Orlando, uma festa semelhante estava programada no centro do Rio de Janeiro. Com o título audacioso de “V do Viadão”, a festa reunia centenas de homens e mulheres para dançar ao som das batidas. Horas antes, entretanto, o Facebook deletou a página do evento.

Com mais de 6. 000 curtidas no Facebook, e categorizada como “comunidade”, a página do meu amigo funcionava online e no mundo real como uma plataforma de expressão e troca para a comunidade gay do Rio. Uma comunidade cujos membros mais conhecidos são vítimas de cyber bullying, ameaças e assédio usando o mesmo meio: as redes sociais.

Sempre me impressionei com este amigo e fiquei orgulhoso quando, alguns anos atrás, ele não somente saiu do armário como se tornou uma voz importante para uma geração de jovens gays brasileiros. Afinal de contas, não é preciso ser gay para entender o que ele tem de enfrentar.

Chegando ao clube, fomos recebidos calorosamente e recebemos passe para a área VIP. Apesar de ter esquecido minha identidade, me deixaram entrar sem problema, e de graça. Ser “gringo” às vezes tem suas vantagens.

Na pista, com os braços em volta dela, em meio a um mar de pessoas suadas; fiquei comovido com a felicidade que sentia. Uma felicidade que eu podia dividir com uma parceira que eu escolhi.

Com o passar da noite, olhando fundo nos olhos um do outro, nossos corações pulsando no ritmo das batidas, veio o pensamento. De que talvez tenha sido numa noite muito parecida com essa que um homem armado decidiu abrir fogo num clube gay de Orlando, tentando matar a própria essência da vida.

Já foi dito antes, e posso reconfirmar com minha experiência deste fim de semana passado: um clube gay realmente não tem nada de diferente de um santuário. Rostos familiares, alguns dos quais vocês talvez queira evitar, outros chegando ou apenas curiosos. Não tem nada diferente de um escritório, uma escola, uma academia ou um templo religioso.

Depois de mais ou menos uma hora, fomos para outro andar, de onde víamos de cima solteiros, casais e grupos dançando ao som das músicas mais populares da nossa cultura global. Tentando não imaginar a chacina, decidi que usaria minha voz nesta plataforma que chamamos de world wide web para compartilhar esta história.

Imagino que a seção de comentários abaixo vai estar cheia de opiniões duras contra a população LGBT, e até mesmo algumas opiniões sobre mim. Alguns apoiando, espero, outros criticando abertamente. Se você não consegue aceitar a ideia de que um casal hétero consiga se divertir num clube LGBT e, portanto, apoiar o movimento, lembre que você tem o direito de restringir sua empatia e compaixão, nas não pode impingi-lo aos outros.

Por essa mesma razão, muitos não entenderão que naquele espaço seguro compartilhamos muitos momentos serenos, numa noite que se mostrou inesperada. Longe dos olhares julgadores ou dos padrões sociais da cena hétero, me senti livre como nunca.

Com a visão ofuscada pelas luzes enquanto as bexigas caíam do teto durante Dog Days Are Over, de Florence + The Machine, prometemos voltar.

O Facebook pode ter deletado a página e, com ela, milhares de fotos, vídeos e discussões. Mas as lembranças jamais serão apagadas. Saiba que em Orlando ou qualquer outro lugar do mundo, essa comunidade vai voltar, mais forte do que nunca. Online ou não.

Nas palavras de Harvey Milk, um homem que viveu e morreu por uma causa e uma comunidade:

“Mais pessoas foram mortas em nome da religião que por qualquer outra razão. Isso, meus amigos, é a verdadeira perversão. Então, se uma bala entrar no meu cérebro, que ela destrua a porta de todos os armários”.

Acesse no site de origem: As questões LGBT estão em último lugar na preocupação das pessoas, por Kim Badawi (HuffPost Brasil, 29/06/2016)

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