Ativista transgênero muçulmana articula resistência LGBT em cidade indonésia onde vigora lei islâmica

30 de novembro, 2015

(Opera Mundi, 30/11/2015) ‘O importante é que sobrevivamos’: após adoção da Sharia, relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero passaram a ser proibidas e são passíveis de punição com multas, prisão e inclusive açoites com vara

A Indonésia foi chamada de rosto sorridente do islã, graças à sua inclinação religiosa moderada. Mas, para Echa (ela teve o nome trocado para preservar sua identidade), ativista LGBT natural da província de Aceh, no norte do país, o sorriso pode ser enganador.

Atualmente, as novas regulamentações em Aceh castigam as relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero com multas, prisão e inclusive açoites com vara. Esta é a última etapa da implementação gradual das leis da Sharia, adotada desde outubro, que proíbem ainda que homens e mulheres solteiros circulem juntos em uma motocicleta ou que deem as mãos em público. Também não são permitidos os jogos de azar e todas as mulheres muçulmanas precisam usar o tradicional lenço na cabeça, conhecido como hijab.

Echa dirige uma ONG em defesa dos direitos LGBTs (Foto: Carey Wagner)

Para grupos de defesa dos direitos humanos, as novas normas são “desumanas e inconstitucionais”.

A implementação da Sharia em Aceh faz parte do tratado de paz firmado entre o governo indonésio e os separatistas da região há dez anos. Pelo acordo, a região ganhou permissão para adotar gradualmente as leis islâmicas. Por essa razão, as relações sexuais entre pessoas do mesmo gênero passaram a ser proibidas em Aceh, mesmo não sendo ilegais no restante da Indonésia.

Echa dirige a ONG local Violet Grey, um grupo de defesa dos LGBT, e também trabalha como instrutora de modelos. As novas leis fazem com que ela se sinta insegura: “o espaço privado dos LGBT será invadido”, afirma. Para ela, “o Islã é muito tolerante nestes assuntos. Creio em Deus, e Deus ama. Os que nos expulsam não são Deus”.

Para se adaptar à nova realidade e ser considerada uma “mulher respeitável”, Echa usa um vestido longo, que chega até os pés, de cor rosa, e um lenço turquesa na cabeça que cobre todos os fios de cabelo.

O lenço, chamado hijab, é obrigatório para todas as mulheres muçulmanas de Aceh. Para Echa, adotar a vestimenta é uma forma de proteção: enquanto estiver com a cabeça coberta, nunca lhe gritarão palavras ofensivas e ressalta: “não quero que a imagem dos transgêneros seja associada à prostituição”.

Guia para devoção

Syahrizal Abbas, diretor da agência islâmica da Sharia do governo local, observa que as regulamentações da lei islâmica pretendem guiar as pessoas a uma vida mais devota, e não atemorizá-las: “queremos bons muçulmanos em Aceh”, ressalta.

Ele procura destacar que a versão de Aceh da Sharia é moderada, nem um pouco parecida com a que é praticada por grupos extremistas como o Boko Haram ou o Estado Islâmico.

Mas, a nova lei castiga relações homossexuais com até 100 açoites. O adultério recebe a mesma punição.

Abbas argumenta que, na verdade, os casais gays têm mais liberdade do que os heterossexuais solteiros em Aceh, já que os casais heterossexuais não-casados não podem ficar sozinhos ou se tocar em público. Já no caso de homens e mulheres homossexuais, o comportamento é permitido, diz ele.

“Caminhar juntos não é um problema. Cozinhar juntos não é um problema. Dormir no mesmo quarto, inclusive na mesma cama, não é um problema”, declara Abbas. O problema, complementa, é quando o casal se envolve sexualmente.

A resistência de Echa

Em um pequeno salão de cabeleireiros, Echa cumprimenta seus amigos, que também estão preocupados com a nova lei. Enquanto comparam selfies e assistem novelas na televisão, um homem gay, que pede para ser chamado de Mulan, declara que as restrições cada vez mais rigorosas fazem com que as mídias sociais sejam mais importantes do que nunca. As plataformas, tais como o messenger para Blackberry, oferecem uma maneira segura de socializar.

A casa de Echa também é uma espécie de refúgio seguro. Há uma fileira de armários pessoais na entrada. Sua casa está aberta para estudantes, amigos e fugitivos. Alguns membros da comunidade LGBT local abandonaram Aceh e se mudaram para Jacarta; Echa não quer ir.

“Precisamos ter uma estratégia, para garantir que continuaremos firmes e fortes. O importante é que sobrevivamos, ainda que tenhamos que nos tornar cada vez mais clandestinos”, declara. Logo complementa: “Devemos dar um passo atrás e aceitar o jogo, aceitar o que se deseja”.

Tradução: Henrique Mendes

Texto publicado originalmente pelo site Global Voices por Ruth Morris

Acesse no site de origem: Ativista transgênero muçulmana articula resistência LGBT em cidade indonésia onde vigora lei islâmica (Opera Mundi, 30/11/2015)

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