O estatuto da família e a institucionalização da homofobia

02 de julho, 2014

(Diário da Manhã, 02/07/2014) Está tramitando no Congresso Nacional Projeto de Lei nº 6.583/13, de autoria do deputado federal Anderson Ferreira (PR/PE), que dispõe sobre o Estatuto da Família. O projeto recebeu parecer favorável de seu relator, deputado Ronaldo Fonseca (Pros/DF) e está provocando discussões sobre a atuação dos congressistas em geral.

O projeto prevê a definição de família baseada na Constituição Federal em vigor, cujo artigo 226 identifica como família os núcleos familiares formados por “homem e mulher”, considerando família os “casais casados, os que vivem sob união estável e os núcleos monoparentais”.

O texto de lei em discussão, cuja constitucionalidade é duvidosa na medida em que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a questão, reconhecendo as mudanças ocorridas no conceito de famílias desde o século XVII, vale-se de uma “estratégica” consulta formulada à população, por meio de uma enquete realizada no site do Congresso. A enquete demonstrou que 62% dos que se prontificaram a responder defenderam que uma família “é constituída por homem e mulher”. A maneira como a pergunta foi formulada induzia uma resposta afirmativa sem deixar claro o teor da discussão em andamento.

A interpretação dos ministros do STF orienta que o Estado deve evitar e punir a discriminação, promovendo a igualdade entre os cidadãos e assegurando o princípio da dignidade humana. Entendeu que o legislador constituinte não teve a intenção de excluir qualquer um sob qualquer pretexto, como querem defender aqueles que tentam reduzir o alcance da Constituição Federal.

Todavia, tanto o texto original do projeto quanto o parecer do relator deixam evidentes a tentativa de manter os casais homoparentais fora da tutela do Estado, à margem dos direitos civis.

A discussão que o deputado Ronaldo Fonseca propõe não deve ser encarada como ampla defesa da família, uma vez que aponta para o atendimento de interesses sectários, notadamente vinculados a um determinado segmento religioso, uma vez que ele próprio se apresenta como pastor presidente da Adet – Assembleia de Deus de Taguatinga-DF e Coordenador da Bancada da Assembleia de Deus na Câmara dos Deputados, adversários usuais dos avanços relacionados aos direitos civis para a população homossexual.

O deputado Ronaldo Fonseca afirma que “uma lei não pode atender apenas a um segmento social – as minorias têm que respeitar a vontade da maioria”. Essa defesa da democracia seria bem recebida não fosse ele representante de uma igreja que goza do benefício da isenção de impostos, em detrimento da maioria da população que paga regularmente os seus, incluindo a parcela que o projeto de lei pretende desamparar da tutela do Estado.

Torna-se imprescindível esclarecer ao deputado que as leis existem para proteger segmentos da população que se encontram em posição desfavorável ao que sempre determinou a maioria, como o caso das diversas representações étnicas que foram alijadas de seus direitos e hoje os têm reconhecidos, quer seja pelas cotas nos concursos públicos, quer pela criminalização do racismo.

A tentativa infundada de reinterpretar o que já foi objeto de discussão do STF tem promovido desencontros e não se presta a esclarecer a população. Ao contrário, desvia a atenção das pessoas para temas de interesse secundário ao questionar a ampliação dos direitos civis a uma parcela significativa da população que se encontra desprotegida.

Sob a alegação de que o STF não possui a competência para legislar e sinalizando como uma “afronta” à atividade precípua do Congresso Nacional a ação da corte superior, o autor do projeto de lei e seu relator se arvoram no direito de afirmar que existem cidadãos de segunda classe que não devem ter seus direitos protegidos pelo Estado, afirmando-se como arautos da “maioria”.

(Maria Rita Fontes, especialista em Políticas Públicas e Mestra em Filosofia pela UFG, atua como gerente na Secretaria de Políticas para Mulheres e Promoção da Igualdade Racial – Semira)

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