O mundo não é um lugar seguro para LGBTs, por Vinícius de Vita

24 de junho, 2016

(HuffPost Brasil, 24/06/2016) Não sou muito chegado ao termo enrustido. Para mim, traz uma conotação negativa e imprópria para se referir a homossexuais que não assumem sua sexualidade. Digo isso porque, dentre as possíveis definições para ele, está a ideia de que o “enrustido” é dissimulado, do tipo que esconde o que para os outros é óbvio.

Acontece que não é bem assim. Há muitos fatores que levam uma pessoa a não revelar sua homossexualidade. O medo, por exemplo, é um sentimento constante: medo de decepcionar a família, medo de perder os amigos, medo de perder o emprego, medo de ir para o inferno, medo de sofrer abusos sexuais, medo de apanhar, medo de morrer. Acrescente aqui outro medo comum entre LGBTs. São inúmeros.

Leia mais: Dia Mundial do Orgulho LGBT: Cenário de violência aterroriza e impõe urgência de lei que criminalize homofobia (Agência Aids, 27/06/2016)

Mas a principal razão pela qual muitas pessoas optam por não revelar ao mundo os seus reais desejos e atrações está na discriminação que a população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais sofre diariamente. O mundo não é um lugar seguro para LGBTs, e, de certa forma, viver “dentro do armário” é uma saída encontrada por muitos para não sofrer.

Só que algumas pessoas, previsivelmente, não conseguem lidar bem com a sexualidade reprimida. E as consequências disso são as piores possíveis, a começar pelo alto índice de suicídio entre LGBTs.

Segundo uma pesquisa conduzida pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, jovens homossexuais têm até cinco vezes mais chances de acabarem com as próprias vidas.

Mas há quem reaja da forma oposta, ou seja, acabando com a vida dos outros. Pelo menos é o que mostra um estudo de universidades norte-americanas e britânicas, segundo o qual a homofobia — que mata milhares todos os anos — é uma característica comum principalmente entre aqueles que possuem desejos retraídos por pessoas do mesmo gênero.

Os resultados obtidos nessa pesquisa corroboram o senso comum: só se incomoda com os outros aquele que não se aceita ou não pode viver da maneira como gostaria. É “inveja”, “recalque”, o reflexo de conflitos internos que acabam sendo externados em forma de ódio.

É o que também dizem ser o caso de Omar Mateen, que na madrugada de 12 de junho fez 49 vítimas e feriu outras 53 em uma casa noturna gay de Orlando, na Flórida. Apesar de o atirador ter declarado fidelidade ao Estado Islâmico, e mesmo após o próprio grupo extremista ter reivindicado a autoria do atentado, não restaram dúvidas de que o massacre — o pior desde o 11 de setembro — foi motivado pela LGBTfobia, principalmente depois do pai admitir que o filho era um homofóbico declarado.

Logo após o atentado, porém, surgiram novos fatos que colocaram em dúvida a orientação sexual de Mateen.

Relatos mostram que ele esteve diversas vezes na boate Pulse como frequentador, ocasiões em que teria inclusive flertado com homens. Outros ainda afirmam já terem conversado com o atirador em aplicativos de paquera gay.

Muitos não ficaram surpresos com essas revelações. Segundo eles, está claro que o homem era homossexual, filho de pais afegãos e que, por essa e outras razões, jamais pôde “sair do armário”. O crime cometido por Mateen teria sido resultado daquilo que muitos dizem ser a causa da LGBTfobia: ele resolveu descontar a própria frustração em cima daqueles que têm a liberdade de viver como verdadeiramente são.

No entanto, justificar a morte dos 49 de Orlando, bem como todo e qualquer ato LGBTfóbico, com a tese de que o criminoso era provavelmente um homossexual reprimido e frustrado, é na verdade jogar a culpa da LGBTfobia em cima das reais vítimas dessa opressão. Sim, há muitos casos em que os que praticam a violência são justamente os que não se aceitam ou não conseguem se assumir, mas dizer que esta é a regra é isentar os quem são os verdadeiros agentes da opressão: pessoas cisgênero e heterossexuais.

É preciso ter em mente, também, que ninguém sabe ao certo se o atirador era de fato gay ou não. Frequentar a casa noturna que mais tarde seria alvejada por ele próprio e marcar presença em aplicativos voltados para homens homossexuais não são provas de absolutamente nada. Não devemos ter a pretensão de achar que conhecemos profundamente a sexualidade humana, nem que sabemos exatamente quais eram as motivações de Omar Mateen para estar nesses espaços.

O que sabemos é que há uma tentativa constante de invisibilizar os motivos que o levaram à Pulse aquela noite — os mesmos que causaram os 318 assassinatos de homossexuais no Brasil em 2015 e que colocam o nosso país na frente de qualquer outro quando o assunto são os incontáveis homicídios contra travestis e transexuais.

Pertencer a um grupo socialmente excluído, como é o caso da população LGBT, é estar diariamente exposto ao ódio e à intolerância de todos aqueles que se julgam no direito de “discordar” das identidades sexuais e de gênero que fogem à norma. É o discurso de fundamentalistas cristãos que está matando gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. É chamar os outros de “viadinho”, “mulher macho” ou “traveco”, é fazer piada com o que não tem graça e é a falta de reflexão sobre as próprias atitudes que provocam a morte de milhares e milhares de LGBTs em todo o planeta.

Para ser homofóbico, não precisa ser gay. Basta ser babaca e ignorante. A combinação dessas duas características é mortal.

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