Não podemos tratar como deslize, diz deputada sobre Frota

08 de março, 2015

(Exame, 08/03/2015) A semana do Dia Internacional da Mulher foi movimentada. No Congresso, os deputados conseguiram aprovar a lei que transforma o feminicídio em crime hediondo. O texto aguarda sanção da presidente Dilma. Já nas redes sociais, a discussão foi a entrevista do ator Alexandre Frota, que relatou um caso de estupro em rede nacional, aos risos.

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Coordenadora da bancada feminina na Câmara, a deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG) falou a EXAME.com sobre esses e outros temas. Moraes se despede da liderança da bancada na semana que vem e comemora algumas vitórias. O número de parlamentares mulheres aumentou, e a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Violência contra a Mulher começa a mostrar resultados.

No entanto, ainda há muito trabalho pela frente, admite a parlamentar. “Nossa sociedade ainda tem dificuldade em entender a violência contra a mulher como crime”, diz.

Veja os principais trechos da entrevista:

EXAME.com – Nesta semana foi aprovado o projeto que torna o feminicídio crime hediondo. O que isso significa para os direitos das mulheres?

Jô Moraes – A lei do feminicídio integra os 13 projetos propostos pela CPMI da Violência contra as Mulheres, que se encerrou em 2013. Ao tipificar o assassinato de mulheres por violência doméstica, ele amplia a pena do criminoso, garantindo um maior rigor no enfrentamento e no combate ao assassinato de mulheres. Basicamente, reforça a punição para esse crime.

EXAME.com – A senhora coordena a bancada feminina na Câmara. O que tem sido feito para aumentar a participação de mulheres na política brasileira?

Jô Moraes – Neste último ano, a bancada feminina se concentrou em tentar ampliar a participação de mulheres nos espaços de poder. Tivemos durante esse ano o lançamento de duas campanhas. A primeira campanha foi “Mulher, tome partido, filie-se”, uma ano antes das eleições para poder ampliar a adesão das mulheres na política. E no ano eleitoral nós lançamos a nossa plataforma “Mais poder para as mulheres”.

A luta resultou num acréscimo. Na eleição, passamos de 45 para 51 deputadas. Também conseguimos a eleição de duas mulheres para a mesa diretora – a deputada Luiza Erundina e a deputada Mara Gabrilli. E, enquanto no ano anterior apenas uma mulher presidia uma comissão permanente, nós temos hoje quatro mulheres presidindo comissões permanentes. Eu diria que estamos vivenciando um período em que há reais avanços.

EXAME.com – Nos últimos dias, foi ao ar na TV Bandeirantes uma entrevista em que o ator Alexandre Frota relata ter cometido um estupro. Como a senhora vê um caso como esse?

Jô Moraes – Eu fiquei extremamente chocada. Esse caso mostra o enorme atraso democrático e de valores humanos que setores da sociedade (ainda bem que minoritários) expressam em sua vida. É um absurdo. É absolutamente inaceitável que alguém que tem acesso a instrumentos de comunicação de massa faça proselitismo ao crime.

Não podemos tratar isso como um deslize. O ator não cometeu um deslize, ele cometeu um crime ao incitar a violência. E trata-se de uma violência específica, que a sociedade está enfrentando muitas dificuldades para punir. Por isso, é extremamente perigoso que fatos como esse aconteçam sem que haja uma efetiva punição. A sociedade organizada deve apresentar queixa ao Ministério Público contra o estímulo ao crime.

EXAME.com – O país ainda tem dificuldade em punir a violência contra a mulher?

Jô Moraes – Tem dificuldade em entender como crime, em assimilar a necessidade de combatê-lo e em garantir a punição aos que o praticam.

Alexandre Frota em programa na TV Bandeirantes

Alexandre Frota em programa na TV Bandeirantes (Foto: Reprodução)

EXAME.com – Outro caso que tem ganhado destaque é o das alunas de faculdades como a Medicina da USP, que relatam terem sido estupradas pelos próprios colegas. 

Jô Moraes – A violência contra a mulher sempre esteve em todas as classes sociais. Na elite trata-se de um crime mais velado, que se buscar manter o sigilo. Mas, ao mesmo tempo, quando se trata de classes mais abastadas, com mais visibilidade, quando esse crime se torna público, ele impacta mais a sociedade e termina alertando mais sobre essa questão.

EXAME.com – Os dados do Ligue 180 mostram um aumento nas denúncias de violência contra a mulher em 2014. O que esse aumento significa?

Jô Moraes – Isso é uma demonstração de que o fenômeno sobrevive. Mas é, sobretudo, uma demonstração de que, sob sigilo, as mulheres falam sobre a violência. Esta é a grande demonstração do Ligue 180. As pessoas estão denunciando mais, e uma das questões é que o sigilo assegurado ajuda a mulher a revelar.

EXAME.com – Uma questão que tem sido colocada no Congresso é o atendimento que as mulheres vítimas de violência recebem nos órgãos públicos. Como esse atendimento pode melhorar?

Jô Moraes – Com os trabalhos da CPMI da Violência contra a Mulher, percebemos que o maior desafio é implementar o que foi estabelecido pela Lei Maria da Penha. Isso significa organizar os serviços de forma a garantir o registro dos processos, garantir o cumprimento e a fiscalização das medidas protetivas dadas pelos juízes e também garantir uma articulação entre os órgãos envolvidos neste processo, desde o Instituto Médico Legal, que faz os exames do estupro e da agressão, até as delegacias especializadas, as varas, o Ministério Público e os defensores públicos. Nesta rede, o aspecto central é dar articulação e estabilidade a esse sistema. Sem isso a lei se torna ineficaz.

EXAME.com – Mas ainda há muitos casos em que a mulher é desestimulada a registrar a ocorrência ou é ridicularizada pelas pessoas que fazem o atendimento.

Jô Moraes – No Pacto Nacional de Enfretamento à Violência que a Secretaria de Políticas para as Mulheres assinou com todos os estados, além de garantir estrutura, havia uma proposta de se intensificar a preparação daqueles que atendem as mulheres vítimas de violência.

As pessoas que fazem esse atendimento vivem nesta sociedade, contaminada por esses preconceitos. E muitas vezes esses órgãos são integrados em sua maioria por homens. Então, sem dúvida nenhuma, nós nos defrontamos com esse tipo de incidente de descaso e preconceito no tratamento da vítima. E nosso apelo é uma intensificação na qualificação das pessoas que atendem nesses órgãos.

EXAME.com – Ainda há muito preconceito?

Jô Moraes – Há. A menina, ao ser estuprada, muitas vezes ainda é criticada por estar com uma saia curta. O atendente de um órgão policial considera que ela provocou, tirou a paciência do agressor. É aquela história de achar que a vítima também é responsável pela agressão.

Mariana Desidério

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