Nota pública da ANTRA a respeito da entrevista do DR. Alexandre Saadeh, ao Portal Universa/UOL

07 de abril, 2019

As instituições que assinam conjuntamente esta nota, vêm a público se posicionar sobre a matéria em lide, visto que a mesma faz uma série de apontamentos que consideramos nocivos e tendenciosos frente ao avanço das discussões sobre da autonomia das pessoas trans e a própria despatologização das identidades trans anunciada em junho de 2018 pela OMS e que vem sendo encampada pelo Conselho Federal de Psicologia, que publicou a Nota Técnica 01/2018, tratando especificamente como abordar o assunto.

(ANTRA, 07/04/2019 – acesse no site de origem)

Na entrevista, Saadeh alega existir “uma maior adesão às variações de gênero como fenômeno midiático” e que pessoas “confusas” e “instáveis” seriam, de alguma forma, “atraídas” ao que se supõe ser um “novo paradigma” decorrente de um “fenômeno mundial”. Como se a transgeneridade fosse algo passível de ser contagioso ou transmitido de uma pessoa para outra.

Tais informações e representações a respeito das identidades trans não se baseiam em nenhuma evidência científica consolidadas e estão completamente equivocadas. O que nos faz ter um olhar atento sob suas declarações, visto que o mesmo é coordenador do único serviço especializado no atendimento de crianças e adolescentes trans.

Ele alega que os jovens e crianças seriam de alguma forma “sugestionáveis” a se tornarem transgêneros (quando de alguma outra forma não seriam) em decorrência de alguma espécie de moda ou contágio social. Tais alegações acabam não apenas sendo imprecisas e cientificamente infundadas, mas também coniventes com a reafirmação de estigmas e incompreensões que precisam ser urgentemente superadas, tal como a noção, mesmo que vaga, de que as identidades trans constituem um perigo social a ser evitado. Afirma ainda que pessoas estariam transicionando para se tornarem celebridades midiáticas, ignorando todo contexto de violência que uma pessoa trans, ao externar publicamente sua condição, passa a estar exposta.

Inverte a lógica da luta por visibilidade, sugerindo que a representatividade trans nos diversos espaços sociais estaria “incentivando” que pessoas cisgêneras passassem a se identificar como trans – bem semelhante ao discurso fundamentalista que designa e sustenta a “ideologia de gênero” como algo maligno. Saadeh acaba abrindo mão de observar as singularidades de cada pessoa e que o fato das lutas trans estarem saindo da invisibilidade ter permitido com que mais pessoas pudessem ser quem são de verdade e passem reivindicar as suas reais existências, não mais sob um viés normativo-cisgênero.

Não existe nenhuma evidência científica capaz de sustentar a ideia de que as identidades trans sejam uma “moda” capaz de “confundir” pessoas suscetíveis. Pesquisas que especulam uma nova forma de ‘’disforia de gênero de surgimento rápido’’ (que atingiria particularmente meninas jovens) estão profundamente comprometidas em função de falhas metodológicas e vieses ideológicos. Tomemos como exemplo o artigo de Lisa Littman, “Rapid Onset of Gender Dysphoria in Adolescents and Young Adults: a Descriptive Study”, publicado no Journal of Adolescent Health. A autora sugere a existência de um novo “tipo” de disforia de gênero, de suposto “surgimento rápido”, decorrente do que a pesquisadora supõe ser uma espécie de contágio social alimentado por um fenômeno midiático, das redes sociais e pela pressão de pares/colegas. Zinnia Jones, Ashley Florence, Alexandre Baril, Julia Serano, Brynn Tannehill, apenas para citar alguns autores que perscrutaram este tipo de alegação, encontraram falhas metodológicas gritantes que enviesam por completo a pesquisa, tais como o fato de Littman se basear somente em relatos, obtidos em fóruns online, de pais que não aceitam as identidades trans de seus filhos.

Desta forma, a entrevista reafirma velhos estigmas e contribui para perpetuar tabus contra travestis, mulheres transexuais, homens trans e demais pessoas trans. Junto a isso, responsabilizando a visibilidade que a comunidade trans tem conquistado pelo que ele chama de “banalização da transexualidade” e reafirmando o olhar médico de que pessoas trans não teriam autonomia sobre suas escolhas, suas vivências ou que nossas existências seriam, vejam só, uma fraude. Ignorando os avanços das pesquisas e discussões sobre a autonomia e os efeitos positivos de um desenvolvimento livre de estigmas e preconceitos contra a condição trans, para justificar um olhar extremamente arcaico e patologizante e que mantém o poder do saber médico, tendo controle sobre a individualidade da pessoa.

Repudiamos esta abordagem, os problemas que ela apresenta e seus efeitos negativos. E reafirmamos nosso compromisso para o enfrentamento de posições tendenciosas que ferem o direito à livre expressão da individualidade humana, a autonomia e a luta pela despatologização das vivência trans.

Brasil, 08 de abril de 2019.

Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA)
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT)
Articulação Brasileira de Jovens LGBT (ARTJOVEMLGBT)
Coletivo LGBT do MST
Coletivo Transtornar (Campinas/SP)
Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negros e Negras  (FONATRANS)
Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero (GAdvS)
Instituto Brasileiro Trans de Educação (IBTE)
Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI (RENOSP-LGBTI+)
União Nacional LGBT (UNALGBT)

 Link da Matéria: http://twixar.me/k3bK

Baixe a nota em PDF: NOTA PUBLICA Repudio Entrevista DR. Sadeeh

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