Abuso sexual: orientações para os agentes públicos

23 de junho, 2016

(UNESP, 23/06/2016) Cidades do Estado de São Paulo como Araraquara, São Carlos, Ribeirão Preto, Bauru e São José do Rio Preto têm em média 20 casos novos de violência sexual registrados por mês nos órgãos oficiais. Com a demanda maior do que o tempo disponível para atendimento, ocorre frequentemente a omissão do socorro pelos serviços públicos dificultando qualquer prática de prevenção da violência sexual.

Os serviços de assistência social em parcerias com o CREAS (Centro de Referência Especial de Assistência Social) revelam que as agentes públicas  são capazes de atender somente cinco casos por semana, dado que um atendimento exige reuniões com os familiares, os conselheiros tutelares, os professores das escolas das vítimas e os promotores de Justiça, com o objetivo de constituir uma rede de prevenção dessa violência.

“A conta fecharia se estes atendimentos fossem concluídos no mesmo mês da recepção dos casos, mas como exigem uma contínua convivência com todos os envolvidos, cada assistente social e psicóloga poderia atender, no máximo, 20 casos por ano”, explica o professor Augusto Caccia-Bava, do departamento de Sociologia da Unesp de Araraquara. Contato com o pesquisador: [email protected]

O professor chegou a essa conclusão, porque, segundo ele, a prevenção exige mobilização cotidiana, intensa e permanente de agentes públicos junto às vítimas e familiares. E com a chegada de 20 novos casos por mês seriam necessárias uma assistente social e uma psicóloga para receber, a cada mês, estes novos casos.

Caccia-Bava está trabalhando com a ideia de criar um observatório sobre experiências de prevenção da violência sexual infantil e adolescente. “Por meio do observatório quero difundir propostas de intervenção com protocolos de atendimento de prevenção da violência sexual, uma vez que inexiste nos Sistemas Único de Assistência Social (SUAS) e no sistema educacional nacional, esse instrumento metódico oferecido para os profissionais e as autoridades”, ou quando existem são muito geréricos.

O observatório tem como proposta promover a abertura de intercâmbio de experiências dos diagnósticos das situações pesquisadas e na perspectiva de criar projetos locais de prevenção de violência sexual, em cidades que sediam universidades em todo o país, em especial as universidades federais.

A proposta do observatório resultou em um projeto de pesquisa, desenvolvido pelo professor com apoio da Fapesp, com foco na prevenção, que foi realizado entre os anos de 2011 e 2013, intitulado Paidéia: bases empíricas para a formação de redes sociais de prevenção do delito da exploração sexual de meninas.

Redes sociais de Prevenção

O estudo levantou dados para a formação de redes sociais de prevenção do delito da exploração sexual de meninas, com início em cinco cidades do Estado de São Paulo: Araraquara, São Carlos, Ribeirão Preto, Bauru e S. J do Rio Preto. “Essas cidades fazem parte de um relatório do Ministério da Justiça que registra casos de tráficos de pessoas para fins de exploração e, dentre essas a exploração, a sexual”, conta o professor.

Foram realizadas pelo grupo de pesquisadores do observatório aproximadamente 90 entrevistas nas cinco cidades. As conversas ocorreram com os agentes públicos responsáveis pela assistência às vítimas. São eles, juristas, delegados de polícia, promotores de justiça, oficiais da Polícia Militar, integrantes da guarda municipal, assistentes sociais, psicólogo, representantes do conselho tutelar, além de agentes de saúde. A equipe que integra o grupo de pesquisa também participou de inúmeras atividades de formação dos comitês em Araraquara e Ribeirão Preto.

Em um dos comitês, na cidade de Ribeirão Preto, foi considerado que o enfrentamento policial da exploração e tráfico de pessoas é extremamente complexo, demandando múltiplas ações, que envolvem até a Interpol (polícia internacional) – quando identificada uma vítima do tráfico internacional.

Exposto o problema, o mesmo comitê decidiu, na época, pela prática da prevenção, que tem conteúdo mais pedagógico e menos de confronto, com possíveis praticantes de delitos. Foi sugerido, então, iniciar as ações de prevenção por meio de visitas às escolas públicas, em bairros considerados de elevada vulnerabilidade social. Na ocasião, os pesquisadores participaram de visitas às escolas em Ribeirão Preto.

As primeiras medidas

De acordo com o professor, a primeira referência de uma possível rede de prevenção é que ela deve ser iniciada com o reconhecimento das capacidades de assistentes sociais e psicólogas atenderem vinte casos novos por ano, uma vez que a Assistência Social é a área pública responsável pelo enfrentamento da violência sexual. Elas devem ser vinculadas às redes locais constituídas pelos CREAS e os CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), em parceria com as Secretaria de Estado de Desenvolvimento e Assistência Social e as correspondentes secretarias municipais.

Além da medida já sugerida pelo professor da necessidade de 12 assistentes sociais e 12 psicólogas em cada CREAS, no caso da constatação do abuso sexual, a intervenção pelos agentes públicos “exige muito respeito para com essas vítimas e seus familiares, pois eles encontram-se em estado de sofrimento”, como relatou uma das agentes entrevistadas.

Uma primeira versão de três protocolos propõe que as famílias precisam ser visitadas com frequência pelas agentes que integram o CREAS e também, por conselheiros tutelares, que atuam nos bairros onde elas moram. Os promotores de Justiça, em especial da Vara da Infância e Juventude, devem recebem os relatos da situação identificada e participar da elaboração de projetos de prevenção.

Passo a passo dos agentes públicos

O professor Caccia-Bava diz que elaborou uma primeira versão de três protocolos para apresentar a diferentes agentes públicos. O  primeiro protocolo seria voltado para o trabalho de assistentes sociais e psicólogas ligadas ao CREAS; o segundo, para professores, coordenadores pedagógicos e diretores de escolas de ensino fundamental e médio; e por final, o terceiro para conselheiros tutelares.

No caso das escolas, o protocolo é dirigido aos professores quando percebem alteração de comportamento de crianças e adolescentes que, ao serem vitimadas, deprimem. Para o Conselho Tutelar o foco é quando recebem denúncia de violação de direitos de crianças e adolescentes, entre elas, a violência sexual. Os conselheiros seriam responsáveis pela avaliação, em dois aspectos: da urgência de proteção das vítimas e da denúncia dos autores da violência.

O pesquisador destaca ainda a importância de formar  agentes públicos especializados em prevenção. “Há experiências internacionais de agentes públicos que reconhecem a capacidade dos familiares de atuarem na proteção das vítimas de violência sexual, o que implicaria em mais diálogo com as famílias sobre prevenção da violência, ressalta.

Um segundo aspecto, diz ele, é sobre o conteúdo desses protocolos. “Pela experiência de análise de outros protocolos, eles se apresentam em passos a serem dados pelos agentes públicos que atendem as vítimas e são mais genéricos. Os que elaborei tem próximo de onze passos e são específicos para violência sexual infantil e adolescente”, diz.

Mais capacitação

De acordo com o professor Caccia-Bava, as campanhas de prevenção devem envolver as pessoas que trabalham nas escolas, centros comunitários, universidades e grupos familiares. O pesquisador trabalha atualmente com um projeto de capacitação de agentes públicos para que estes atuem junto às famílias de crianças e adolescentes já vitimadas, além das consideradas em situação de elevada vulnerabilidade social. “Se a área de Assistência Social dos municípios iniciar programa de proteção das famílias mais vulneráveis, a perspectiva das famílias viverem a prevenção da violência sexual é bem maior”, finaliza.

Maristela Garmes

Acesse no site de origem: Abuso sexual: orientações para os agentes públicos (UNESP, 23/06/2016)

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