Assédio, motel e estupro: os abusos dos professores nas universidades

08 de abril, 2018

Casos em SC, MG e PR expõem abusos sofridos por estudantes e mostram como elas se organizam para enfrentar esse tipo de violência

(R7, 08/04/2018 – acesse no site de origem)

Um dos corredores da Universidade Estadual de Santa Catarina exibe um cartaz com os seguintes dizeres: “se você já foi assediada por ele, contorne sua mão aqui”. Em menos de duas semanas, a faixa ostentava, segundo as alunas, mais de 30 desenhos. O caso se refere a um professor da instituição acusado de ter estuprado uma estudante em sua casa. Mais: dias depois de o fato ter se tornado público na universidade, nove outras alunas pediram afastamento do núcleo que ele coordenava e o denunciaram por assédio sexual.

A presidente do Diretório Acadêmico 8 de Maio, Maria Carolina Martini, 21 anos, afirma que o que, no início, parecia boato, foi ganhando força à medida em que mais meninas registravam seus depoimentos. “Ele passava a mão nas costas, pelos seios por dentro da blusa, pegava as meninas pela cintura e as trazia para perto do corpo dele, pedia para sentarem no seu colo”, diz ela, que reuniu os depoimentos em um dossiê. “A maioria são jovens negras e bolsistas, em situação de vulnerabilidade econômica, orientadas por ele”, afirma.

Tudo começou com a denúncia de um estupro que teria sido cometido pelo mesmo professor. No início de fevereiro desse ano, ele teria saído com a aluna para discutir um artigo acadêmico. “Ela conhecia a família dele, inclusive sua companheira e ele conhecia a família dela também”, afirma Daniela Félix Teixeira, advogada da vítima. “Eles beberam e para ela não voltar para casa sozinha, ele a convidou para dormir na casa dele. Como não tinha ninguém em casa, ela estranhou, houve um abuso da relação de confiança, e um abuso sexual não consensual”, diz a advogada.

“Não se pode admitir que essas vítimas sejam silenciadas”
Daniela Félix, advogada

Ao ser registrado na ouvidoria da universidade, o caso desencadeou uma série de outras denúncias e ações de estudantes. “Houve uma renúncia em massa no núcleo que ele coordenava. Não se pode admitir que essas vítimas sejam silenciadas”, diz a advogada. A vítima, segundo Daniela, está em trabalho domiciliar e passa por um tratamento de saúde que inclui sessões de terapia. Quando a denúncia veio à tona na instituição, outras estudantes foram à delegacia para registrar boletins e ocorrência e serem ouvidas como testemunhas.

De acordo com a advogada Isadora Tavares, que representa as nove garotas, o boletim de ocorrência foi registrado dia 22 de março. “As meninas fizeram uma reunião sobre as atitudes desse professor e relataram que ele as convidava para orientações pedagógicas em salas fechadas, com placas de proibido interromper”, diz. “Elas dizem que ele destacava os pontos fracos delas e tentava colocar o assédio como algo paternal.” Segundo a advogada, ele chegou a convidar algumas para ir a um motel e depois afirmou que a estudante “havia entendido errado” a proposta. “Ele reforçava que o relacionamento das garotas era com ele e com o laboratório.”

A administração da Universidade informou, por meio de nota, que formou uma comissão, composta por quatro servidores da instituição, para abrir uma sindicância interna que investigará denúncias recebidas pela ouvidoria contra o professor do Centro de Ciências Humanas da Educação (Faed). A comissão terá até 60 dias para investigar o caso.

Protagonismo

Casos de assédio nas universidades tem estimulado o protagonismo de jovens mulheres diante da violência sexual. Essa é uma das constatações da coordenadora do Instituto Avon, Mafoane Odara, que, em 2015, realizou uma pesquisa sobre violência contra a mulher no ambiente universitário. O levantamento mostrou que 67% das garotas, quando questionadas, reconhecem que foram submetidas a situações de violência.

“Ainda há uma grande dificuldade em saber a quem endereçar o problema. Em uma sala com centenas de alunos, normalmente não mais do que 5 sabem sabem a quem relatar o problemas”, diz ela. Nos últimos três anos, porém, a realidade começou a mudar. “Depois da realização da pesquisa, percebemos que houve um aumento na criação de coletivos, um fortalecimento da relação dos coletivos com as faculdades e mais empenho dos reitores na criação de programas de apoio e campanhas para acabar com a violência”, afirma.

Alunas fazem cartaz para reunir as vítimas de assédio sexual e estimular denúncias

Alunas fazem cartaz para reunir as vítimas de assédio sexual e estimular denúncias (Foto: Reprodução)

Após o levantamento, Mafoane afirma que aumentou em 100% a procura de instituições interessadas em desenvolver projetos para conscientização da violência sexual. No entanto, ao mesmo tempo em que muitas instituições se preocupam em trabalhar temas como machismo, racismo e sexismo, que colaboram para a violência sexual, outras seguem mantendo o problema no anonimato.

“Os coletivos se tornaram espaços oficiais em universidades, mas apesar do avanço, ainda estamos longe do que gostaríamos”, diz Odara. “É preciso ter uma campanha forte, canais de denúncias para que ouvidores saibam como acolher e canais de investigação e punição efetiva. Algumas instituições conseguiram criar canais mais humanos, mas precisam avançar nos meios de investigações e punições.”

“Apesar do avanço, ainda estamos longe do que gostaríamos”
Mafoane Odara, especialista

A pesquisa revelou ainda que 38% dos homens questionados reconhecem ter praticado violências. “A avaliação é dada pelo seu lugar e não pelo lugar do outro”, afirma. “Qual a diferença entre um convite e um assédio? O constrangimento provocado. Mas esse constrangimento faz com que esses homens se sintam desafiados a ultrapassar essa barreira.” Une-se a isso, segundo ela, um processo de naturalização das formas de violência. Nos casos envolvendo professores, há o agravante do poder hierárquico. “Utiliza-se o poder de autoridade para conseguir as relações sexuais que desejam.”

Comissão de apoio

Exemplo de universitárias que não se deixaram silenciar é o das jovens do Diretório Acadêmico do Curso de Letras da PUC-Minas, Filandras de Adélia Prado. No último dia 27, alunas e ex-alunas criaram uma Comissão de Mulheres para apoiar e oferecer todo o tipo de assistência às vítimas. “Houve um ato para discutir casos antigos de assédio. Queremos cobrar um posicionamento da faculdade sobre isso”, afirma Mariana Laureano, presidente do Diretório.

A mobilização, que teve início das redes sociais, relevou diversos casos de abuso sexual ocorridos nos anos anteriores na instituição. Uma estudante da universidade que prefere não ser identificada afirmou que um rapaz que costumava frequentar o diretório acadêmico tocou em seu cabelo e a beijou sem o consentimento. “No dia do ato, várias alunas relataram episódios de assédio vindo de professores, mas, sobretudo, de alunos. “Tenho a sensação de que as pessoas estão discutindo mais o que se caracteriza como assédio e o que é estupro.”

Alunos da PUC-Minas formam rede de apoio para debater violência sexual

Alunos da PUC-Minas formam rede de apoio para debater violência sexual (Foto: Reprodução)

Questionada pela reportagem sobre eventuais providências que tomará acerca das denúncias, a universidade afirmou que “está em diálogo permanente com os líderes estudantis do Instituto de Ciências Humanas e que aguarda a formalização de denúncias para tomar medidas cabíveis.” O problema é que, segundo a pesquisa do Instituto Avon, 63% das mulheres entrevistadas admite não reagir ao sofrerem violência.

Penalidades

Um caso relatado pelo R7, de alunas que protestaram contra dois professores acusados de assédio sexual na Universidade Estadual de Maringá, no norte do Paraná, teve um desfecho que não foi considerado satisfatório pelas estudantes. “Protocolamos um recurso para pedir a reconsideração da decisão da comissão”, afirma uma das alunas que denunciou.

Alunas manifestam em formatura da Universidade Estadual de Maringá

Alunas manifestam em formatura da Universidade Estadual de Maringá (Foto: Reprodução Facebook)

No dia 27 de março, a universidade publicou uma portaria que estabelece a pena de suspensão por 90 dias do professor. Em um comunicado público, as garotas afirmaram que não aceitarão o afastamento temporário do servidor. “Hoje, mais do que nunca, sentimos o peso da burocracia e exigimos justiça”, dizem. “Queremos que outras vítimas tomem conhecimento e denunciem.”

Outro lado

O R7 entrou em contato com o advogado do professor acusado de estupro e assédio sexual na Universidade Estadual de Santa Catarina, Hédio Silva Júnior. “Sobre o suposto estupro, a vítima declara em boletim de ocorrência que não houve violência, ameaça ou coação”, afirmou. “Queremos que ele seja julgado de acordo com as provas. Ele reconhece que houve uma relação consensual”, afirmou. A reportagem também ouviu a advogada da vítima que afirmou que “a relação não foi consensual.”

Em relação aos depoimentos das outras vítimas, o advogado afirmou que não teve acesso aos boletins de ocorrência. “O delegado relatou ‘olhares profundos’, mas são necessárias situações objetivas, há uma carga de subjetividade muito grande.” Segundo o advogado, o professor será ouvido na delegacia na próxima semana. “Ele pediu licença porque está absolutamente abalado. Está afastado à título de tratamento de saúde. Não sabemos quando ele retornará.”

No caso ocorrido na Universidade Estadual de Maringá, o advogado do professor afastado acusado de estupro, Bruno Gimenes, explicou à reportagem que tomará medidas cabíveis. “Contestamos fortemente essas hipóteses de assédio sexual. Atribuímos isso à pressão política dentro do campus, houve uma pressão à Comissão. Chegamos a pedir a suspeição da presidente, por considera-la parcial para julgar o caso”, afirmou.

Na página do escritório de advocacia nas redes sociais, Gimenes afirma que “as provas juntadas pelas pessoas acusadoras, em verdade, depõem contra elas.” Segundo a nota, “não houve, em qualquer momento, proposta de privilégio acadêmico em troca de favorecimento sexual.”

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas