Cultura do estupro: veja como o machismo ganha força em situações do dia a dia

14 de junho, 2016

(R7, 14/06/2016) Ações banais no trabalho, em casa e na rua acabam legitimando a violência contra mulher 

A discussão sobre Cultura do Estupro, que ganhou força após uma adolescente de 16 anos ser vítima de abuso coletivo no Rio de Janeiro, ainda gera muitas dúvidas. Os movimentos feministas alertam sobre a importância da atenção a pequenas atitudes que ajudam a perpetuar o machismo na sociedade. Mas, afinal, do que elas tanto falam?

O R7 conversou com especialistas no assunto, que estão na lista “Entreviste uma Mulher”, do coletivo Think Olga, e elaborou uma cartilha sobre ações comuns, presentes nos mais diversos segmentos da sociedade, mas nocivas à conquista feminina por igualdade de direitos.

”MULHERES SÓ SOBEM DE CARGO QUANDO FAZ SEXO COM O CHEFE”

Ideias como essa reduzem e objetificam a mulher, contribuindo com a cultura machista. Consideram que elas não têm capacidade intelectual nem mérito para o posto que alcança

”MULHERES SÓ EXECUTAM TAREFAS QUE EXIJAM MENOS DO INTELECTO”

Historicamente, as mulheres são associadas a áreas de saúde e cuidados. Nas áreas técnicas são discriminadas. Menos de 10% dos cargos de alto escalão no mundo são ocupados por mulheres

”MULHERES FALAM MUITO E ÀS VEZES É PRECISO INTERROMPÊ-LAS EM REUNIÕES”

Forma clássica de assédio moral no ambiente de trabalho. O senso comum diz que as mulheres falam demais o que, muitas vezes, não corresponde à realidade. Esse tipo de comportamento reduz o valor do trabalho feminino

”CHEFES HOMENS TÊM DIREITO DE ASSEDIAR MULHERES EM CARGOS MAIS BAIXOS”

Esse comportamento faz parte da cultura de muitas empresas, tanto na esfera pública quanto privada, e vem da noção de que a mulher é apenas um objeto de sedução para o homem. Funcionárias terceirizadas sofrem mais assédio que as efetivas

”HOMENS TÊM PRIORIDADE NA CONTRATAÇÃO QUANDO DISPUTAM CARGOS COM MULHERES”

A licença maternidade costuma ser visto como um benefício a mais para as mulheres, mas é na verdade um direito da criança. A mulher costuma sofrer preconceito no retorno e, em geral, não ocupa o mesmo cargo de antes

”MULHERES TÊM MAIS JEITO PARA LIDAR COM CLIENTES”

Mulheres e homossexuais são colocados em funções específicas, como call centers, porque teriam mais cuidado para falar com clientes. Mas, na verdade, não se trata de uma vocação natural e sem uma construção cultural

* Michely Coutinho – Advogada e educadora

“PAIS DE MENINA SÃO ‘FORNECEDORES’”

A brincadeira vem da noção, implícita, de que a mulher é um produto que será oferecido no mercado. Pode parecer apenas uma piada, mas a linguagem cria representação social, símbolos e significados

“CRIANÇA BEM COMPORTADA FOI EDUCADA COMO MENINA”

Atrelar tipos de comportamento aos gêneros começa logo na infância. “Sentar-se como uma menina” é uma construção social e dá a ideia de que as mulheres são obrigadas a adotar certas condutas

“MENINOS PODEM LEVAR A NAMORADA PARA DORMIR EM CASA. MENINAS NÃO”

Esse tipo de comportamento é extremamente nocivo para os filhos, especialmente as mulheres. As adolescentes já começam a criar a noção de sexualidade como algo “sujo” para elas

“AZUL É DE MENINO, ROSA É DE MENINA”

Essa atitude geralmente é tomada de maneira automática e acaba cerceando a habilidade de escolha das crianças. Cores e tipos de brinquedo não definem a sexualidade do indivíduo

“MENINOS DEVEM SER ‘MACHOS’/’CHORAR É COISA DE MULHERZINHA’”

Não é a biologia que faz da pessoa um ser mais sensível e sim fatores como sua história e o meio social. Muitas mulheres, na verdade, são menos suscetíveis a certas emoções do que os homens

“MENINAS COM HABILIDADES DOMÉSTICAS ‘ESTÃO PRONTAS PARA CASAR’”

Frases como essa reforçam estereótipos. Cozinha não é lugar de mulher e sim das pessoas que querem dar conta de suas vidas. No passado, as mulheres não tinham onde atuar, mas isso mudou

* Daiana Rauber – Psicóloga

PIADA BOA TEM MULHER EM SITUAÇÕES DE INFERIORIZAÇÃO

Anedotas que envolvem “loiras burras” ou “a gostosa” desvalorizam a capacidade intelectual das mulheres. Essas caricaturas são transferidas para a vida real, criando estereótipos

PIADA BOA TEM IRONIA COM GAYS OU LÉSBICAS

A orientação sexual é tratada pela maioria das pessoas como uma escolha. As piadas sugerem que lésbicas nunca tiveram um “bom” homem e os gays são chamados bichas, afeminados, mulherzinhas. É um erro relacionar o gênero à orientação sexual

SE A MULHER ESTÁ DE MAU-HUMOR FALTA SEXO OU ELA ESTÁ COM TPM

É como dizer que, naturalmente, toda mulher é irritada por causa dos hormônios, o que é uma inverdade. As características biológicas variam de pessoa para pessoa e, inclusive, homens têm instabilidades de humor

MULHERES SÃO PÉSSIMAS MOTORISTAS

O status de que a mulher só pilota fogão ainda está no imaginário popular. De acordo com estatísticas das seguradoras, elas sofrem muito menos acidentes, por isso pagam menos pelo serviço

MULHER NÃO GOSTA DE HOMEM E SIM DE DINHEIRO

Trata-se da eterna associação do gênero feminino à futilidade. O corpo da mulher é como se fosse público e ela não tem o direito de sentir prazer, porque ela gosta é de dinheiro. E isso é violento

MULHER É DESCONTROLADA, NÃO CONSEGUE LIDAR COM CARTÃO DE CRÉDITO

A associação feita é de que a mulher é a natureza e o homem a cultura. O homem é aquele que produz e tem controle sobre suas ações, já a mulher está sujeita às intempéries da vida. Avaliação rasa e sem correspondência com a realidade

* Bruna Angotti – Antropóloga, advogada e coordenadora do núcleo de pesquisa do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

MULHERES NA POLÍTICA

A falta de figuras femininas na política faz com que as decisões fiquem nas mãos de quem não vive a opressão à mulher. Essa falta de empatia dá margem ao entendimento de que elas se vitimizam demais

MULHERES EM CARGOS DE CHEFIA

Pesquisas mostram que, nos últimos dois anos, não houve aumento significativo da participação da mulher em cargos como CEO, por exemplo, que ainda são dominados por homens

MULHERES NOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA

A presença massiva de homens, principalmente em delegacias, dificulta a investigação de casos de violência contra mulher. Muitos desses homens reproduzem uma cultura machista e culpam as mulheres pelos atos que sofreram

MULHERES NA MÍDIA, SEM CONOTAÇÃO SEXUAL

A mulher é retratada sempre de forma estereotipada, marcada pelo padrão de comportamento e beleza. Essa determinação a coloca no papel de cuidadora da família e, quando está no poder, assume padrão masculinizado

RIVALIDADE ENTRE MULHERES

A ideia é reforçada com conceitos de que a mulher não é amiga, é traiçoeira, falsa. Elas nunca são companheiras e sim competidoras. O conceito de que as mulheres podem ser unidas vem se fortalecendo aos poucos

DESVALORIZAÇÃO DO TRABALHO DOMÉSTICO DA MULHER

Isso acontece dos dois lados. A mulher não é valorizada pelo trabalho que sempre fez, enquanto o homem é supervalorizado por pequenas atitudes, como se prestassem ajudas, favores

* Carla Alzamora – Diretora de planejamento da Heads Propaganda

CANTADA DE RUA

Esse é um tipo de comportamento que não têm nenhuma função de flerte, mas sim de demonstrar poder e de ser recompensado socialmente por outros homens

CONTATO FÍSICO SEM PERMISSÃO

É outro tipo de demonstração de poder sobre mulheres. Não existe sanção ou punição quando um homem pega uma mulher pelo braço, passa a mão em seu corpo ou a puxa cabelo. Eles são até recompensados por se comportarem assim

AGRESSÃO OU XINGAMENTO APÓS “FORA”

Nesse tipo de circunstância, fica claro como mulheres são desumanizadas e sua autonomia é ignorada. A norma social espera que elas estejam em estado permanente de disponibilidade sexual para os homens

FIU-FIU, BUZINADAS E ONOMATOPEIAS DE BICHOS

A função do comportamento é a mesma: demonstrar poder e ser recompensado socialmente

CANTADAS QUE REMETEM À VIOLÊNCIA, COMO “TE QUEBRO NO MEIO”

Esse tipo de comentário, sempre de cunho sexual, remete diretamente ao estupro. É sinal de que cenas de violência são tão naturalizadas que os homens que as usam não veem problema em dizer isso em voz alta para uma mulher

EXPRESSÕES COMO “NOVINHAS” USADAS PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Vocativos como esses servem à cultura do estupro por tornar investidas sexuais contra meninas mais “palatáveis”, ou seja, minimizam a punição de comportamentos de pedofilia e abuso sexual de crianças

* Ana Arantes – Psicóloga especializada em comportamento e cognição

“ELA COLOCOU UMA COLEIRA NELE”

Piada normalmente usada quando o homem começa a namorar e está respeitando a mulher. Também tem a ver com a noção de dominação. Se um cara é gentil e trata a mulher como igual, logo o comportamento dele é contestado pelos amigos

“SÓ QUER TRANSAR COM ELA”

Remete à ideia de que as mulheres são objetos a serviço dos homens e de que, por outro, eles são animais, um saco de hormônios fora de controle, que fazem tudo e qualquer coisa por sexo

“ELAS SÃO RODADAS”

A expressão tem a ver com a repressão sexual feminina. Espera-se que a mulher seja recatada, não exerça sua sexualidade. Os xingamentos contra elas geralmente estão conectados à vida sexual: puta, galinha, biscate…

“ESSA É PARA CASAR, ESSA É PARA DIVERSÃO”

O valor das mulheres, segundo essa noção, está na subserviência. Ser recatada, “de família”, educada tem a ver com o desejo por uma parceira controlável, dominável

“NÃO EXISTE AMIZADE ENTRE HOMEM E MULHER”

O que temos é uma cultura que diz para os homens que eles devem e podem exercitar a sexualidade o quanto quiserem e isso é bom, enquanto diz para as mulheres que devem se controlar o tempo todo

“NÃO FAREI NADA. RESPEITO O MARIDO DELA”

A ideia tem a ver com o entendimento da mulher como um objeto, e não um sujeito, com direitos iguais aos dos homens. Ela não tem tanto valor social quando não está acompanhada por um homem

* Anna Haddad – Advogada e escritora

Caroline Apple, Dinalva Fernandes e Giorgia Cavicchioli

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