Dez anos da Lei Maria da Penha depois, para onde vamos?

15 de agosto, 2016

(Think Olga, 12/08/2016) A Lei Maria da Penha – considerada pelas Nações Unidas a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica – completou uma década de vigência no último domingo e temos muito o que comemorar. Segundo Leila Linhares Barsted, advogada, fundadora e diretora da ONG CEPIA (Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação) e uma das mulheres envolvidas na criação da Lei Maria da Penha, o avanço no combate à violência contra a mulher nos últimos dez anos foi bastante significativo. “Nesses 10 anos foram criados mais delegacias da mulher e juizados de violência doméstica, a legislação incluiu medidas de proteção, passamos a ter acesso à defensoria pública, além de uma mudança muito grande na própria cultura jurídica brasileira”, disse Leila à Think Olga.

Foram 10 anos de muita luta de organizações feministas e de muitos avanços no enfrentamento à violência contra a mulher, mas foi apenas o começo. Diante do congresso mais conservador desde 1964, a luta ainda é para aplicar a Lei Maria da Penha integralmente e impedir retrocessos na forma como ela é implementada. “É preciso ter muita cautela em relação aos diversos projetos de lei que pretendem alterar a Lei Maria da Penha porque apesar dos avanços ainda estamos lutando pela sua integral implementação. Nossas perspectivas de avanço no legislativo não são positivas e tem prevalecido a censura à expressão ‘gênero’ em diversos projetos de lei, sem falar nos possíveis retrocessos em relação aos direitos sexuais e reprodutivos, como aqueles projetos que pretendem restringir ou ate mesmo extinguir as hipóteses de aborto legal no Brasil”, afirma Aline Yamamoto, ex-secretária adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.

Leia mais: 
Após 10 anos da Lei Maria da Penha, as vítimas escondem o rosto por medo e por vergonha (Globo Comunidade DF, 14/08/2016)
‘Vivo mais na delegacia que ele, me sinto bandida’, diz vítima de agressão (G1, 12/08/2016)

Para a diretora do CEPIA, é preciso investir muito mais em prevenção, mantendo, é claro, os esforços na repressão ao mesmo tempo. “A prevenção passa pelo sistema de ensino, pelos meios de comunicação, a parte cultural. Não é uma lei que vai mudar uma cultura milenar que coloca a mulher em posição de subordinação e que leva a essa situação de não reconhecer a mulher como cidadão ou como humana”, afirma. Por isso, é necessário olhar para as leis que são debatidas no Congresso hoje e as políticas públicas que estão sendo implementadas. Segundo Leila, há dois tipos de leis sobre violência contra a mulher tramitando no congresso hoje: “propostas que nada mais fazem do que repetir a Lei Maria da Penha e projetos que tentam desfigurar a lei”. Conscientes de que o aniversário de uma década de existência da Lei Maria da Penha merece comemoração e também um olhar apurado e crítico para garantir que o Brasil continue no caminho certo, elencamos os principais projetos de lei, políticas públicas e leis voltados ao combate à violência contra a mulher que merecem a atenção das mulheres, para o bem e para o mal. Confira abaixo:

Projetos e programas que beneficiam as mulheres:

– Lei do feminicídio

A aprovação da Lei 8305/14 que tipifica o feminicídio como homicídio qualificado e passa a ser considerado crime hediondo certamente foi um dos maiores avanços legislativos no país após a Lei Maria da Penha. Considerando que o Brasil é o sétimo país do mundo com maior taxa de homicídio de mulheres, uma punição mais severa ao assassinato de mulheres por razão de seu gênero se faz necessária.

– Ligue 180

O ‪#‎Ligue180‬ é um serviço confidencial e gratuito que funciona como uma central de amparo a mulheres vítimas de violência com orientações e encaminhamentos para serviços de proteção. Em 2015, a central atingiu 749 mil atendimentos, um aumento de 54,4% em relação ao ano anterior. A maior parte dos atendimentos serve para prestação de informações sobre os direitos das mulheres e a legislação vigente, mas também serve para encaminhamentos para outros serviços de teleatendimento, como o 190 da Polícia Militar.

– Casa da Mulher Brasileira

Política pública da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) que prevê a construção de 27 casas de apoio (uma em casa estado do país, além do Distrito Federal) que integram no mesmo espaço os mais diversos serviços especializados: acolhimento e triagem; apoio psicossocial; delegacia; Juizado; Ministério Público, Defensoria Pública; promoção de autonomia econômica; cuidado das crianças – brinquedoteca; alojamento de passagem e central de transportes.

– Mulher, Viver sem Violência

Programa nacional funciona como o próximo passo do pacto federativo e intersetorial de enfrentamento à violência liderado pela SPM que prevê metas, planos e repasse de verba a estados e municípios. O Mulher, Viver Sem Violência consiste na distribuição de unidades móveis de atendimento que levam políticas públicas de gênero ao interior do Brasil.

– Fundo para o Fim da Violência contra as Mulheres no Brasil

Atualmente em tramitação, o projeto de lei 7371/2014 propõe a criação de um Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher. Os recursos devem vir tanto do orçamento da União quanto de doações de entidades e empresas interessadas em contribuir e seriam empregados em ações como a criação de mais Delegacias da Mulher e de varas especiais na Justiça, além de na contratação de profissionais para o atendimento às vítimas. Seria uma forma de implementar dispositivos da Lei Maria da Penha que ainda não foram aplicados por falta de recursos públicos. No entanto, é preciso ficar atenta à denúncia que a líder do PCdoB na Câmara, deputada Jandira Feghali (RJ), fez sobre ameaças de desvirtuamento do Fundo. Segundo ela, o deputado Diego Garcia (PHS-PR), o mesmo que relatou o Estatuto da Família, está tentando acrescentar uma emenda para que a verba do fundo não seja utilizada em “equipamentos, serviços, ou atividades relacionados, direta ou indiretamente, ao aborto provocado, incluindo os casos especificados no artigo 128 do Decreto Lei 2.848/1940”. Dessa forma, nem mesmo os casos de aborto permitidos por lei (após violência sexual, por exemplo) poderiam ser atendidos pelo Fundo.

– Projeto de lei para aumentar a pena por estupro coletivo

Atualmente o Código Penal brasileiro estabelece pena de 6 a 10 anos de prisão para o crime de estupro, mas, em caso de estupro coletivo, a pena é aumentada em um quarto, o que equivale a pena máxima de 12 anos e meio de prisão. O Projeto de Lei do Senado 618/2015, da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), estende o aumento para um terço da pena, ampliando para um máximo de mais de 13 anos de prisão. A relatora, senadora Simone Tebet (PMDB-MS), apresentou emendas para tornar o texto mais rigoroso, uma fixando o aumento da pena em até dois terços ara estupro coletivo e outra determinando uma punição maior pela divulgação de imagens do delito. Depois do caso de estupro coletivo de uma jovem no Rio de Janeiro este ano, o texto foi rapidamente aprovado pelo Senado e remetido à Câmara dos Deputados.

Projetos de lei e políticas públicas que demandam cautela:

– Plano nacional de combate à violência contra a mulher

No final de maio deste ano, o ministro da Justiça Alexandre de Moraes anunciou um plano federal de combate a crimes contra a mulher focado em Segurança Pública. Sem detalhar quando as ações serão colocadas em prática nem seu custo, Moraes adiantou que os recursos devem sair do orçamento destinado à Força Nacional de Segurança. A ideia é repassar recursos aos Estados para que eles arquem com extensão de cargas horárias de policiais e, assim, eles atuem exclusivamente na repressão à violência contra a mulher durante a jornada extra. Para Aline Yamamoto, ex-secretária adjunta de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres da SPM, é um enorme equívoco ignorar o trabalho que havia sido desenvolvido durante anos pela SPM e criar uma nova frente voltada para Segurança Pública. “Isso não é aplicar a Lei Maria da Penha porque ela não é uma lei penal. Você não vai reduzir a violência com Segurança Pública porque a violência contra a mulher é um fenômeno cultural que tem a ver com uma desigualdade muito mais profunda e ampla de gêneros e com recorte racial, tratar como problema de polícia demonstra um enorme desconhecimento sobre o que estamos falando”, afirma.

– Retrocessos em projetos de lei que envolvam a palavra gênero

Considerando que a prevenção da violência contra a mulher demanda investimento na educação sobre o que é machismo, racismo, homofobia e outros crimes de ódio e preconceito envolvidos em ataques contra a integridade das mulheres, torna-se necessário abordar esses assuntos em sala de aula para que os estudantes tenham conhecimento sobre o assunto. Porém, a tentativa de incluir a igualdade de gênero como um princípio ou diretriz do projeto de lei original do Plano Nacional de Educação (PNE) intensificou uma mobilização contrária à igualdade de gênero por parte chamada bancada fundamentalista do Congresso. Como resultado, atualmente há ao menos cinco projetos de lei com o objetivo interferir diretamente nos conteúdos abordados em sala de aula evitando o que fundamentalistas religiosos chamam de “doutrinação política e ideológica” tramitando no Congresso. Um dos projetos é o 2731/2015, que altera o PNE proibindo a discussão de gênero nas escolas e prevê pena de prisão para professores que desrespeitem a determinação. Outro é o PL 7180/2014, que pretende alterar a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) para proibir o que o autor da proposta, deputado Erivelton Santana (PSC-BA), chama de “ideologia de gênero”. Além do Congresso, projetos semelhantes e inspirados no movimento Escola Sem Partido tramitam em assembleias legislativas de pelo menos nove estados e em 13 municípios.

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