Entre o debate sobre assédio e a liberalidade da folia, regras para a paquera

28 de janeiro, 2018

Fãs de blocos, ONGs e especialistas ‘ditam’ cartilha do flerte

(O Globo, 28/01/2018 – acesse no site de origem)

O carnaval sempre foi conhecido como um momento de liberdade e de paquera por onde quer que se vá, mas, recentemente, o debate em torno do assédio contra as mulheres tem adicionado regras ao jogo da conquista. Segundo elas (e eles também), muito claras. Nesses novos tempos, fãs de blocos, representantes de ONGs e especialistas dizem o que pode e o que não pode na folia. A opinião deles aponta para o mesmo sentido: é preciso ler os sinais. E, acima de tudo, respeitar o espaço do outro. Um início fundamental, dizem, é a troca de olhares — correspondida, claro.

Para a vlogueira Julia Tolezano, a Jout Jout (dona do canal Jout Jout, Prazer, com 1,2 milhão de seguidores), toda abordagem claramente indesejada é assédio. Segundo ela, paquera saudável “começa com uma troca de olhares e termina com um sorriso’’. Há cerca de uma semana, Jout publicou em seu canal um vídeo em que ensina os homens a rever comportamentos de assédio:

— Não é paquera se você precisa se proteger. Você sabe quando uma pessoa não quer e quando a pessoa quer. Não tem como confundir. Quando você está constrangendo uma pessoa, você nota.

Parece muito claro, mas o carnaval estará cheio de iniciativas que pretendem praticamente “desenhar’’ o que é o assédio para quem diz não entender. A ONU Mulheres, por exemplo, desenvolve, pelo quarto ano, uma campanha contra o assédio no carnaval.

IDEIA NÃO É “ENGESSAR’’

Em 2015, uma espécie de “fluxograma da paquera’’, criado pela organização para ensinar aos homens como agir, caiu nas graças da internet. Neste ano, a campanha que será lançada no dia 1º de fevereiro terá quadros que reforçam o respeito ao corpo e às escolhas das mulheres. Um deles, por exemplo, diz: “Quando a mulher veste roupas curtas, significa que ela está querendo usar roupas curtas’’. Para Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres no Brasil, a ideia não é “engessar’’ o carnaval das paqueras e ficadas:

— A gente quer manter a alegria do carnaval, que homens e mulheres curtam, mas com respeito. Ele é o limite entre a paquera e o assédio. A gente tem uma cultura onde muitas coisas parecem naturais, e as pessoas não param para pensar se é assédio.

Patrick Souza, professor de Educação Física de 30 anos, hoje está casado com uma moça que beijou pela primeira vez em um bloco no carnaval de Salvador. Os dois já tinham se visto na empresa onde ambos trabalhavam, no Rio, e ele notou que havia interesse. Se adicionaram no Facebook e, com os sinais que Carolina Pires, de 29 anos, deu, foi fácil para ele saber que era a hora certa de apenas beijá-la no meio da multidão.

— Acho que o respeito vem em primeiro lugar. Quando um não quer, dois não brigam — ensina ele. — Fazer algo que o outro não está querendo é muito ruim.

E como saber o que o outro quer?

— Fica subentendido no olhar, na deixa, ela te espera, te olha, te escuta falar — conta Patrick, que, depois do primeiro beijo, não desgrudou mais de Carolina.

Se Patrick casou com seu amor de carnaval, Pedro Drago, estudante de letras e projetista, de 25 anos, vai passar a festa de coração aberto. Para que a arte da conquista não desande, Pedro acredita que é preciso interpretar os sinais de interesse (ou não) das pretendentes:

— Na troca de olhares você já vê se está sendo retribuído. Se a pessoa parecer receptiva, pode falar das suas intenções. Percebe que há uma reação negativa quando você chega para conversar e ela diz que não quer ou vira o rosto. Se a pessoa tentar ir para outro lugar também é sinal de que não está querendo.

A estilista Aisha Jacob, de 27 anos, é uma das idealizadoras da campanha Não é Não, que produz e distribui tatuagens com a inscrição pelos blocos. O que não a impediu de ter dito sim ao flerte, no carnaval do ano passado, que a fez conhecer seu namorado:

— Tem que entender o índice de interesse do outro, de forma sutil, para abordar de uma maneira interessante, que não seja canastrona e invasiva. Eu estar de biquíni não justifica você chegar em mim de forma agressiva. Vale entender se a pessoa está a fim, se está te dando corda.

Carina Bacelar e Natalia Boere

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