Justiça de SP absolve estudante de Medicina da USP acusado de estupro

10 de fevereiro, 2017

Daniel Tarciso da Silva Cardoso é denunciado por outros seis casos de violência sexual contra alunas e já foi julgado por matar um homem com oito tiros. Com curso concluído, pode virar médico em breve

Acusado de dopar e estuprar uma estudante de Enfermagem, Daniel Tarciso da Silva Cardoso, estudante de Medicina da USP, foi absolvido na última terça-feira (7/2) pelo juiz Klaus Marouelli Arroyo, da 23ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).

(Ponte, 10/02/2017 – acesse a íntegra no site de origem)

Na sentença, à qual a reportagem da Ponte Jornalismo teve acesso, Arroyo justifica sua decisão com base na “inconsistência das declarações da ofendida” e no fato de haver “prova em sentido diverso, a sustentar a versão do acusado, quer de cunho testemunhal (…) como também documental (…)”.

Segundo ele, o fato de a estudante ter entrado no quarto de Cardoso “de livre e espontânea vontade” e ter dito a duas amigas, que estavam do lado de fora, “que ali permaneceria”, estariam entre os motivos para julgar improcedente a ação proposta pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) em maio de 2015. Cardoso foi denunciado por praticar sexo com pessoa vulnerável.

O advogado Renan Quinalha, que acompanhou o processo administrativo aberto sobre o caso na FMUSP, critica a decisão. “O julgador tem livre apreciação sobre o conjunto das provas produzidas em um processo, mas chama a atenção, nesse caso, como o juiz valorou apenas as provas que beneficiavam o réu, ignorando na sua decisão elementos que indicavam a materialidade do estupro”, diz.

Como exemplo, ele cita os laudos psicológicos e psiquiátricos que atestam que a vítima passou por abuso sexual, e um exame médico que comprova escoriações decorrentes de violência. “O mais perverso é o juiz admitir que a palavra da vítima seja fundamental, mas, na prática, ignorar o que ela afirmou consistentemente, como se não estivesse bêbada ou inconsciente o suficiente para ter sofrido uma violência”, destaca. “Mais uma vez, o Judiciário, assim como a Comissão Sindicantes da USP, mostra que a discussão do consentimento, que é chave em casos de estupros entre pessoas conhecidas ou que já tiveram alguma relação prévia, é feita de modo enviesado e sempre privilegiando mais a moralidade sexual da vítima do que a conduta e o histórico do agressor.”

Desvalorização de denúncias

A mesma crítica é feita por Heloísa Buarque de Almeida, professora de Antropologia da USP e especialista em gênero. Ela também lamenta a absolvição: “Uma das grandes questões do judiciário em relação a crimes de violência sexual é o moralismo, ao julgar o comportamento pregresso das vítimas e desvalorizar suas denúncias. Ainda há dificuldade de entender a fronteira entre sexo consentido e violência”, diz ela, que integra a Rede Não Cala – USP, formada por professores para acolher vítimas de violência sexual e de gênero na universidade paulista.

Segundo ela, a Rede Não Cala tem conhecimento de mais seis acusações de estupros de alunas que teriam sido cometidos por Cardoso. Em todos os casos, ele teria dopado as vítimas. “É possível que haja ainda mais, pois muitas vezes as vítimas têm dificuldades de denunciar, por vergonha, medo e culpa”, revela. “O modus operandi do Daniel é igual ao de Roger Abdelmassih, pois ambos dopavam as mulheres antes de violentá-las”, diz, referindo-se ao médico condenado por 52 estupros. “Infelizmente, pesquisas mostram que no Brasil é raro haver condenação em casos de violência sexual.” Para a professora da USP, o estudante de Medicina pode ser considerado um “estuprador em série”.

por Igor Ojeda e Tatiana Merlino

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