Maria da Penha: “violência doméstica afeta o lucro das empresas”

30 de agosto, 2017

Para Maria da Penha, que deu nome à lei 11.340, ainda faltam políticas públicas de apoio para permitir que as mulheres se sintam amparadas

(Exame, 30/08/2017 – acesse no site de origem)

A violência doméstica não é um problema que deixa marcas apenas em casa. As empresas também sofrem, e algumas já estão tomando iniciativas para criar redes de assistência e proteção às mulheres vítimas de violência.

Para a biofarmacêutica Maria da Penha, que pela trágica histórica de abuso doméstico do marido deu nome à lei 11.340, há onze anos, a grande maioria da população hoje conhece a legislação, mas ainda faltam políticas públicas de apoio para permitir que as mulheres se sintam amparadas.

Nesse contexto, o Instituto Maria da Penha realizou um estudo com 10.000 mulheres das nove capitais da Região Nordeste, em parceria com a Universidade Federal do Ceará, sobre o impacto da violência doméstica na vida laboral das mulheres.

A pesquisa mostrou que os efeitos nas vítimas é grave e impede a ascensão nas carreiras. Para Penha, as empresas precisam se envolver no assunto, uma vez que a violência doméstica, além de afetar suas funcionárias, diminui seus lucros.

A lei Maria da Penha acabou fazer 11 anos. Qual o balanço que a senhora faz dela?

A lei foi criada a partir de uma imposição da Organização dos Estados Americanos (OEA) devido à ineficiência do poder público em criar políticas contra a violência doméstica. Hoje, 98% da população brasileira tem conhecimento da existência da lei. As mulheres estão mais encorajadas a denunciar e não estão se escondendo com vergonha da violência. Existem algumas que não se expõem por causa da cultura e pela delicadeza do assunto. Às vezes, não denunciam pela posição social, por não terem coragem de se separar. Elas temem que, no momento em que ela queira tomar uma decisão, o homem corte dela várias benesses, que vão impactar os filhos. Mas o maior conhecimento sobre a lei já é muito importante; em qualquer lugar do país, tem pessoas informadas.

Atingimos um nível maior de conscientização. Mas quais os passos para aperfeiçoá-la?

As políticas públicas, que fazem com que a lei saia do papel e vá para a prática, foram implementadas nos grandes municípios. Os pequenos, porém, são carentes dessas políticas públicas, como o centro de referência da mulher, a casa abrigo, a delegacia da mulher e o juizado. No meu entendimento, é necessário que todo município tenha o centro de referência, porque é nesse local onde a mulher vítima de violência será atendida por uma equipe de psicólogos, serviço social e advogados, e vai se inteirar sobre seus direitos. Muitas vezes, ela não sabe quais são seus direitos, só ouviu falar. Ela precisa ser orientada; ela pensa que a violência é só a física. É necessário que os gestores dos pequenos municípios criem essa política. Só com essa ela pode decidir qual atitude que ela quer tomar.

Por que os prefeitos não tratam disso? É desinformação, desinteresse pelo assunto?

É tudo isso mais a cultura machista; eles acham que no seu município não tem esse problema.

Em entrevista a EXAME, a presidente do conselho da varejista Magazine Luiza, Luiza Trajano, também disse que achava que a violência doméstica estava longe da sua realidade…

É por isso que é preciso ter o incentivo à denúncia, à compreensão de como a lei funciona, o incentivo para que o gestor coloque a política pública em seu município. Também tem de haver um compromisso sério com a capacitação das pessoas envolvidas na aplicação da lei.

A crise econômica piora essa situação?

Sim. Sabemos que a situação financeira interfere muito nas relações familiares. Se já existe um entendimento de que a mulher e a casa pertencem ao homem, isso fica mais presente com um homem desempregado.

Por que é importante pensarmos na violência doméstica do ponto de vista econômico?

Além de a mulher estar numa situação de violência, que faz com que ela perca alguns dias de trabalho, isso vai interferir no lucro da empresa. Essa mulher pode ficar hospitalizada. Interfere também nos gastos públicos com saúde. Mesmo que essa violência não atinja fisicamente essa mulher, muitas vezes ela fica com problemas de saúde mental, como depressão, falta de concentração no trabalho. Isso faz com que ela vá trabalhar obrigada – e, por isso, não produz bem. Isso diminui as chances de promoção e andamento da carreira. Essa mulher pode até ser demitida pela frequência de faltas.

Como as empresas podem combater a violência doméstica?

Esse assunto tem de ser discutido não só com as mulheres, mas com todo o quadro de funcionários. Os homens precisam também ter conhecimento de que muitos foram educados para perpetuar essa lógica. A empresa pode desenvolver um acompanhamento específico para um grupo de homens, outro para mulheres, para ambos se conscientizarem de que o ideal é viver em harmonia. As empresas são até locais de relaxamento. A empresa também pode ajudar a encontrar uma solução de conscientização da importância da denúncia. Um exemplo é a possibilidade de transferência entre unidades da mesma companhia sem que o agressor tome conhecimento. É uma atitude positiva. Essa mulher voltaria a ser dona da sua própria vida e criaria um vínculo fortíssimo com a empresa.

As empresas estão avançando no combate?

À medida que acontece um feminicídio em uma determinada empresa, ela desperta. Como foi o caso do Magazine Luiza [em que a gerente de uma loja foi assassinada pelo marido, em julho, em Campinas]. Em muitos outros locais tivemos essa experiência. Esperamos que essa conscientização aconteça antes de homicídios dentro dos quadros.

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