Menino pode tudo, menina pode nada, por Gleide Ângelo

27 de junho, 2016

(NE10, 27/06/2016) Caros leitores,

No artigo de hoje falarei sobre a dificuldade de ser menina em uma cultura machista existente na nossa sociedade, que desde a infância coloca na cabeça das meninas que elas não podem fazer as mesmas coisas que os meninos. As meninas são ensinadas que tem brincadeiras que são apenas de meninos, profissões que são apenas de meninos e que elas têm obrigações que os meninos não têm, como por exemplo, ajudar a mãe nos afazeres domésticos, enquanto que os meninos podem ficar brincando, afinal, cuidar da casa “é coisa de menina”.

E assim a menina cresce, escutando as seguintes frases: “Não suja esse vestido; não fica até tarde na rua; não dá liberdade”. E aprendendo que a responsabilidade de trabalhar, de cuidar dos filhos, da casa é “coisa de mulher”, por isso, muitos homens não ajudam as suas companheiras e ficam deitados confortavelmente em seus sofás descansando. Essa cultura está inserida há muitos anos em nossa sociedade, e para que se mude, é necessário que a transformação ocorra na infância, pois assim haverá uma mudança de atitude, uma mudança cultural.

Leia mais: “Qual o problema de discutir gênero na escola?”

Pensando nisso, a Agência Énois I Inteligência Jovem, em parceria com o Instituto Wladimir Hezorg e com o Instituto Patrícia Galvão, conduziu uma pesquisa com 2.285 jovens de 14 a 24 anos com renda familiar de até R$ 6 mil, moradoras de 370 cidades brasileiras, para descobrir o que é ser menina no Brasil. No relatório, a pesquisa descobriu que o machismo ainda está muito presente na base: da divisão das tarefas domésticas à relação que meninos e meninas estabelecem com o espaço público. E que, a despeito dos avanços conquistados, as meninas ainda são educadas em um ambiente onde o machismo é velado. Mas, segundo a pesquisa, elas já enxergaram isso e querem mudanças.

Dentro de casa, e nos primeiros anos de vida, as meninas continuam aprendendo que há “coisas de menino”; que não devem fazer, que há lugares aonde ela não pode ir e roupas que ela não deve usar. Para as mulheres, no caso desta pesquisa, todas menores de 24 anos, ainda existe uma espécie de certo e errado que dita posturas, aparências, comportamento sexual e até anseios de vida.

DADOS DA PESQUISA DA AGÊNCIA ÉNOIS I INTELIGÊNCIA JOVEM

O espaço público (RUA) é visto, pela maior parte das entrevistadas, como um local em que não há segurança ou respeito pelas mulheres. 94% delas já foram assediadas verbalmente e 77%, fisicamente. 90% já deixaram de fazer algo por medo da violência, especificamente por serem mulheres. E essas restrições acontecem justamente no espaço público: elas deixam de sair à noite, de usar determinadas roupas ou de responder a uma cantada.

Enquanto meninos são habituados e até incentivados a brincarem na rua jogando bola, empinando pipa ou andando de skate, as meninas geralmente têm sua circulação restrita. Devem ficar dentro de casa e brincam de casinha ou boneca, que já antecipam as tarefas domésticas. Várias entrevistadas relataram ser proibidas de brincar na rua ou de certas coisas, consideradas masculinas. Se desafiavam essa imposição, sofriam preconceito por familiares ou vizinhos: eram chamadas de “maria machinho”.

Os conceitos do que é certo e errado também são diferentes para garotos e garotas, principalmente quando se trata de um contexto afetivo e sexual. Ter mais de um parceiro pode ser motivo de orgulho para eles, mas quase sempre causa vergonha às meninas. “São dois pesos, duas medidas.

Se é um cara que faz algo, “faz parte de sua natureza” se é a mulher, é “culpada”, opina uma entrevistada de 24 anos, de São Paulo. A pressão pra se ter um companheiro, também muito citada entre as entrevistadas, é outro estímulo. “A mulher, principalmente na periferia, tem que ter homem, se não ela perde seu valor, é vista como um ser desprotegido. Acho que muitas aceitam relações assim porque não querem ficar sozinhas”, relata uma jovem do Rio de Janeiro.

» 86% das entrevistadas afirmam não se sentirem representadas na mídia e os motivos são os mais diversos. “O que mais incomoda são as propagandas que usam o corpo da mulher pra vender um produto. Um clássico, claro, são as de cerveja”, afirma uma universitária de São Paulo.

» 82% já sofreram algum tipo de preconceito por ser mulher.

» 94 % já sofreram algum tipo de assédio sexual verbal por um homem.

» 73% consideram a cantada um tipo de violência.

» 84% já sofreram agressão verbal.

» 77% já sofreram assédio sexual.

» 41% já sofreram agressão física.

» 90% já deixaram de fazer alguma coisa com medo da violência (27% de usar determinada roupa; 31% de sair à noite; 23% de responder a uma cantada; 12: outros e 1% a se candidatar a uma vaga de emprego);

» 74% sentiram tratamento diferenciado dentro de casa por ser mulher.

» 77% acham que o machismo afetou seu desenvolvimento.

» 86% não se sentem representadas na mídia (Todas brancas são ricas. Pobre e\ou negra é a empregada); A reprodução da mulher na mídia tem grande papel na minha história com meu corpo, onde não há (e não acho que vá haver) paz.

» 83% das meninas que sofreram agressão física afirmam terem sido agredidas por homens conhecidos.

» 69% consideram que ter suas amizades ou os lugares a que vai controlados sim, um ato violento.

» 47% afirmam que o parceiro já forçou a barra para terem relações sexuais.

» 39% afirmam que o parceiro já pediu que trocasse de roupa pra sair de casa.

» 57% dizem ter suas amizades ou os lugares a que vai controlados pelo parceiro.

» 55% afirmaram que o parceiro já quis acessar seu email pessoal/redes sociais.

PARA MUDAR O CENÁRIO DA CULTURA MACHISTA, A AGÊNCIA ÉNOIS APONTA CAMINHOS

“Falar sobre feminismo, sexualidade ou direitos dos LGBTs ainda é uma tarefa árdua para muitos educadores que, em meio a desafios cotidianos, não sabem como trazer para sala de aula discussões tão importantes. isso tem um impacto sério na criação e desenvolvimento de jovens – que por sua vez, passarão adiante uma cultura preconceituosa. Por isso, acreditamos que a mudança de paradigma sobre o machismo e a violência contra a mulher tenha que nascer na escola. Como? Sendo parte do currículo escolar, virando política pública, como fazem, por exemplo, os australianos. Colocar em pauta essa discussão em espaços de educação é a forma mais rápida, barata e efetiva de mudar a realidade de milhões de brasileiras que ainda estão por vir”. (Agência Énois I Inteligência Jovem).

Essa pesquisa da Agência Énois I Inteligência Jovem, em parceria com o Instituto Wladimir Hezorg e com o Instituto Patrícia Galvão reforça a visão que vivemos em uma sociedade com muitos valores destorcidos a respeito das questões de gênero. E para haver uma mudança cultural, é necessário que comece com as crianças e adolescentes. Por isso, a escola é de fundamental importância nesse contexto. Não podemos aceitar em pleno século XXI que ainda exista uma sociedade onde “homem pode tudo e mulher pode nada”. E tudo começa da formação onde “menino pode tudo e menina pode nada”.

As crianças precisam crescer conscientes de que homens e mulheres devem ser tratados com igualdade, com os mesmos direitos, respeito e obrigações. O ambiente escolar é apropriado para essa discussão, inserindo essa temática nas grades curriculares. Cientes dessa importância, Prefeituras de todo o País estão implantando nas escolas municipais o Projeto Maria da Penha vai à Escola. No próximo artigo, falarei sobre o objetivo desse Projeto que já foi implantado na Prefeitura do Recife. Segundo a Secretária da Mulher do Recife Elizabeth Godinho, “Maria da Penha vai à Escola é um importante condutor deste processo de formação para o combate e prevenção à violência contra a mulher. Estamos garantindo que este processo comece na infância, na orientação dessas crianças, jovens, alunos e gestores que mudam o pensamento inclusive das famílias desses jovens, que começam a ter um olhar mais atento e sensível para a igualdade”.

EM QUAIS ÓRGÃOS BUSCAR AJUDA:

Centro de Referência Clarice Lispector – (81)3355.3008/ 3009/ 3010

Centro de Referência da Mulher Maristela Just ­ (81) 3468­2485

Centro de Referência da Mulher Márcia Dangremon ­ 0800.281.2008

Centro de Referência Maria Purcina Siqueira Souto de Atendimento à Mulher – (81) 3524.9107

Centro de Referência Dona Amarina (81) 3551.2505.

Central de atendimento Cidadã pernambucana 0800.281.8187

Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal ­ 180

Polícia ­ 190 (se a violência estiver ocorrendo)

Acesse no site de origem: Menino pode tudo, menina pode nada, por Gleide Ângelo (NE10, 27/06/2016)

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