As mulheres que amamos, César Muñoz Acebes

27 de agosto, 2017

No dia 20 de agosto, às 6h30, Cláudia Zerati foi morta em seu apartamento, em um prédio com piscina, sauna e academia em Perdizes, um bairro de classe média alta de São Paulo. Cerca de 34 horas depois, Síria Silva Souza foi morta em um barraco de madeira sem eletricidade, no Jardim Ângela.

(Folha de S.Paulo, 27/08/2017 – acesse no site de origem)

Cláudia tinha 42 anos e era branca. Síria, 18 e era negra. Cláudia era juíza. A profissão de Síria não consta no boletim de ocorrência.

Há ainda a dona de casa Maria do Carmo Cândido, 67, e a advogada Celina Moura Mascarenhas Gama, 35. Também foram mortas em São Paulo no dia 21.

Quatro mulheres assassinadas em dois dias por parceiros ou ex-parceiros. Homens que diziam que as amavam.

Esses casos são um bom retrato de homens no Brasil que enxergam o corpo da mulher como sua propriedade. Nossas pesquisas mostram que as vítimas são mulheres de todas as idades e classes. Vivem em todos os cantos do país. Muitas vezes são mortas com uma brutalidade extrema, com facas, martelos ou fogo.

Os agressores por vezes também atacam familiares, quando não seus próprios filhos. Se sobrevivem, essas crianças carregam as cicatrizes dessas experiências traumáticas para o resto de suas vidas.

Quando uma mulher é morta como resultado da violência doméstica, todos nós falhamos. É imperativo que os assassinos sejam julgados e punidos. Mas poderíamos ter feito mais para evitar essas mortes?

A resposta é um inequívoco sim.

Atitudes que parecem “menos graves”, como ameaças e empurrões, podem ser as primeiras ações de um padrão de abuso que leva à morte. Milhares de mulheres sofrem vários episódios de violência antes de criarem coragem para denunciá-la. E o acesso à justiça pode se tornar um sofrimento.

Conversei com mulheres que caminharam à noite para uma delegacia de polícia depois de apanhar, apenas para serem orientadas a ir embora e esperar a delegacia da mulher abrir para fazerem a denúncia.

A maioria dessas delegacias está fechada à noite e aos fins de semana, quando se registram mais casos de violência doméstica.

Mesmo nas delegacias da mulher, algumas vítimas precisam relatar os abusos, inclusive sexuais, na recepção, onde ficam expostas ao constrangimento ou mesmo a maior risco caso os agressores descubram que lá estão.
Os policiais que tomam as declarações frequentemente possuem pouco ou nenhum treinamento em violência doméstica.

E muitas dessas denúncias não vão a lugar nenhum. Uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) constatou em 2013 que, em alguns Estados, apenas uma pequena parte dos boletins de ocorrência se transforma em inquéritos e, destes, poucos resultam em denúncias.

A maioria dos Estados nem sequer forneceu os dados requeridos pela CPI. Mulheres sob ameaça podem obter medidas protetivas, mas a grande maioria ainda não é monitorada.

Geralmente há uma escalada na violência doméstica. O Estado perde a chance de interromper esse ciclo, não respondendo adequadamente às vítimas que buscam ajuda.

É tarde demais para as quatro que morreram em São Paulo. A melhor homenagem a elas é não desviar o olhar quando nossas colegas de trabalho, nossas irmãs e nossas mães sofrem e pressionar as autoridades para que abram os seus olhos. E atuem.

PARTICIPAÇÃO

César Muñoz Acebes é pesquisador sênior do Brasil na Human Rights Watch. Foi editor-chefe na agência Efe em Brasil, Equador e Paraguai

 

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