País tem 28 mil amostras de crimes sexuais fora do banco de DNA

04 de setembro, 2016

A prisão de um homem, acusado de cometer roubos e estuprar uma jovem dentro de um consultório odontológico, poderia ter sido mais uma operação de rotina da polícia de Rondônia, em setembro do ano passado. O caso ganhou novos contornos quando, a pedido dos investigadores, Célio Roberto Rodrigues doou espontaneamente uma amostra de saliva para identificação do DNA dele. A informação foi inserida no Banco Nacional de Perfis Genéticos, que colocou o preso na cena de outros 12 crimes sexuais registrados em Mato Grosso e Amazonas.

(Extra, 04/09/2016 – acesse no site de origem)

O estuprador em série só foi descoberto porque os vestígios — como sêmen, sangue e pelos — deixados no corpo das vítimas de Mato Grosso e do Amazonas haviam sido inseridos no banco nacional de DNA. E “bateram” com o código genético do preso de Rondônia. Para as 12 mulheres, o sentimento de impunidade acabou ali, graças à inclusão das evidências do crime sofrido no sistema. Mas milhares de outros casos não terão o mesmo desfecho, já que a maior parte dos materiais biológicos colhidos das vítimas no país está encalhada nas geladeiras das perícias estaduais.

ESTADOS DESCONHECEM ESTOQUE

Há cerca de 28 mil amostras de crimes sexuais no Brasil sem processamento do DNA, segundo estimativa do Ministério da Justiça. O GLOBO mapeou dados de 23.792 casos, por meio de pedidos encaminhados aos estados via Lei de Acesso à Informação nos últimos dois meses. Oito unidades da Federação responderam aos questionamentos da reportagem. A maior parte alegou desconhecer o tamanho do estoque de vestígios de estupro ou simplesmente não deu retorno, caso do Rio de Janeiro.

A inserção desses vestígios no Banco Nacional de Perfis Genéticos, conhecido popularmente como banco de DNA e usado largamente em países desenvolvidos, significaria um salto nas investigações de crimes sexuais no Brasil, garante o perito criminal federal Hélio Buchmüller, presidente da Academia Brasileira de Ciências Forenses. Ele explica que quanto mais robusto o cadastro, mais resultados. Mesmo no caso de amostras biológicas deixadas em cenas de crime ou no corpo de vítimas por agressores cuja identidade a polícia desconhece, as vantagens são indiscutíveis, diz o perito:

— Especialmente nos crimes sexuais, em que o agressor costuma reincidir na prática, você pode encontrar muitas coincidências nos vestígios colhidos, fortalecendo as investigações.

Hoje, o banco nacional de DNA, que é alimentado pelos estados e administrado pela Polícia Federal, só conta com cerca de seis mil registros, dos quais 3.423 são vestígios dos mais variados tipos de crime, 1.054 referem-se a condenados ou investigados e 1.526 estão ligados a casos de pessoas desaparecidas. Embora pequeno, o cadastro já teve 139 coincidências confirmadas, que auxiliaram 206 investigações, conforme balanço recente. Mas 19 estados ainda não têm laboratório interligado ao sistema.

Todos os estados alegam falta de recursos humanos e orçamentários para explicar o estoque de vestígios de crimes sexuais sem identificação do DNA. Normalmente, priorizam casos “fechados”, em que há um suspeito apontado pela polícia.

DIREITOS DAS VÍTIMAS VIOLADOS

Para o promotor de Justiça Thiago Pierobom, coordenador do núcleo de gênero do Ministério Público do Distrito Federal, é inaceitável que exista uma ferramenta como o banco de DNA subutilizada. Ele defende que, a despeito das dificuldades financeiras, os governos deem prioridade ao incremento do cadastro de perfis genéticos, especialmente no caso de crimes sexuais:

— Não ser eficiente na investigação desse tipo de crime é uma grave violação dos direitos das vítimas. Talvez seja preciso direcionar os recursos. Investigar menos furtos de som de carro, quem sabe, e maximizar os resultados das investigações dos crimes graves.

Procurado para comentar os dados, o Ministério da Justiça informou, por meio de nota, que se reunirá, na primeira quinzena deste mês, com peritos criminais, para avançar no fortalecimento do banco de DNA. Entre os “desafios” apontados pela pasta, está aumentar a inserção de perfis genéticos no sistema, com articulação entre governo federal e estados.

Como muitas vítimas de estupro procuram o serviço de saúde antes mesmo de se dirigir a uma delegacia, uma lei de 2013 previu que os vestígios do crime possam ser coletados no SUS e depois encaminhados à polícia. De acordo com o Ministério da Saúde, 22 estados têm estabelecimentos aptos a fazer a coleta de vestígios, que consta como procedimento oficial na tabela do SUS.

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