Por que alguns homens assediam mulheres, segundo este pesquisador

16 de janeiro, 2018

Psicólogo John Pryor estuda comportamento de assediadores há 30 anos e criou um teste capaz de medir a propensão a esse tipo de ato

(Nexo, 16/01/2018 – acesse no site de origem)

Em 2017, uma onda de denúncias contra dezenas de figuras públicas masculinas internacionais se tornou um marco no debate público sobre assédio sexual.

Vítimas passaram a se pronunciar a partir da repercussão das acusações feitas contra o produtor de Hollywood Harvey Weinstein: a discussão ganhou outras áreas além do entretenimento e parece estar longe de esgotar. Segue atingindo novos nomes em 2018, como os fotógrafos de moda Mario Testino e Bruce Weber.

O comportamento de homens que assediam vem sendo estudado nas últimas décadas por pesquisadores das ciências sociais e psicologia.

Eles buscam determinar por que alguns indivíduos têm maior tendência a esse tipo de comportamento do que outros, o que pensam ao fazer avanços não consentidos, e quanto dessa conduta pode ser atribuída à cultura do ambiente que os cerca.

Um dos pioneiros desses estudos é o psicólogo John Pryor, professor da Universidade Estadual de Illinois, nos Estados Unidos. Pryor se dedica ao tema há três décadas e desenvolveu, em 1987, um teste para medir a tendência ao assédio, uma escala chamada de “Likelihood to Sexually Harass” (probabilidade de assediar sexualmente, em tradução livre).

Por meio de situações hipotéticas, Pryor e outros usaram o teste para prever comportamentos e identificaram alguns fatores como os mais característicos entre assediadores:

  • falta de empatia
  • crença em papéis sexuais tradicionais para os gêneros
  • tendência à dominância e ao autoritarismo
  • ambiente de impunidade
  • posição de poder

O teste de Pryor

A escala de probabilidade ao assédio se baseia em 10 cenários hipotéticos, nos quais quem faz o teste deve escolher como proceder, presumindo que, seja qual for sua conduta, não haverá nenhuma consequência ruim para si.

Um quiz criado pelo jornal americano The Washington Post a partir de uma versão reduzida do teste, com quatro situações, está disponível em inglês no site do jornal. Embora a escala tenha sido elaborada para homens, pessoas de qualquer gênero podem fazer a pesquisa.

A técnica que mede a propensão a cometer assédio se baseou em três estudos realizados por Pryor na década de 1980 para elaborar o teste e validar sua eficácia.

Segundo o especialista, uma das maiores lacunas da literatura acadêmica da época sobre assédio estava no pouco que era sabido sobre as características dos homens que assediam. Os três estudos realizados por Pryor para o desenvolvimento da escala permitiram elaborar um perfil parcial dos homens mais propensos a assediarem mulheres e forneceram informações sobre em que circunstâncias essas tendências mais se expressam.

A escala “Likelihood to Sexually Harass” foca somente em um tipo de assédio: aquele que envolve o uso de poder para obter sexo, normalmente sob ameaça de punição ou promessa de recompensa.

Cada uma das dez situações presentes no questionário descrevem um homem que, em virtude de sua posição social ou profissional, tem controle sobre essa punição ou recompensa a ser aplicada sobre uma mulher (como nas hierarquias professor/aluna ou chefe/subordinada). Os respondentes devem se imaginar no papel desses homens e indicar, em uma escala de 1 a 5 (em que o 1 representa “nada provável” e 5 “muito provável”), qual seria a probabilidade de assediarem a mulher em questão.

Pryor se inspirou em uma escala semelhante desenvolvida no início da década de 1980 pelo cientista social Neil Malamuth para medir a propensão de homens ao estupro.

No artigo em que o psicólogo apresenta sua escala para medir a tendência ao assédio sexual, ele diz ser possível elaborar uma medição como a de Malamuth, pelo fato de que estupradores e assediadores têm algumas características em comum, uma vez que as duas práticas são conceitualmente semelhantes, de acordo com pesquisadores citados por Pryor. A diferença entre uma e outra forma de violência sexual, ainda segundo Pryor, estaria apenas no grau de coerção.

Poder e impunidade

A condicional de que nenhum assédio resulte em consequências negativas, proposta pelo teste, sugere que o ambiente tem enorme impacto sobre a conduta desses homens.

“Se analisamos homens que obtêm um resultado alto na escala [em probabilidade de assediar] e os colocamos em situações nas quais o sistema sugere que eles podem se safar, eles irão assediar. A impunidade tem um grande papel nisso”, Pryor disse em entrevista ao Washington Post, em dezembro de 2017.

Misoginia

Enquanto a hashtag #MeToo alcançava milhões de pessoas nas redes sociais, em outubro de 2017, dando espaço aos relatos de mulheres vítimas de assédio, Kate Manne, professora de filosofia na Universidade de Cornell, nos EUA, lançou o livro “Down Girl: The Logic of Misogyny”.

No livro – consonante com o debate americano do momento sobre assédio, consentimento e o que leva homens, poderosos ou não, a assediarem –Manne trata da misoginia, um ódio estrutural às mulheres presente na sociedade, inerente aos atos de violência e abuso e à indulgência com que esses atos são normalmente encarados, principalmente quando cometidos por homens brancos e de classe alta.

Manne interpreta comportamentos masculinos como o assédio sexual como uma forma de garantir que mulheres se comportem de acordo com os papéis sociais esperados delas conforme seu gênero. Para ela, a lógica da misoginia e a estrutura de poder em que homens e mulheres estão inseridos faz com que homens sintam que essas mulheres lhes devem atenção, cuidado ou mesmo sexo, sendo um direito seu obtê-los.

Juliana Domingos de Lima

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