O mapa da violência contra a mulher, por Sheila Fonseca

25 de dezembro, 2014

(Vermelho, 25/12/2014) Ao que parece, o comportamento machista vem sendo reproduzido por jovens cada vez mais cedo. É o que apontam os dados da pesquisa divulgada no último dia 03 de dezembro pelo Instituto Data Popular em parceria com o Instituto Avon, realizada com jovens entre 16 e 24 anos, que demonstra uma naturalização da mentalidade sexista no país.

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Na pesquisa, 96% dos jovens afirmam viver em uma sociedade machista e 68% deles diz achar errado a mulher fazer sexo no primeiro encontro. E ainda 76% dos entrevistados criticam mulheres que têm vários casos ou relacionamentos de curta duração e 80% afirmam que a mulher não deve ficar bêbada em festas. Entre as mulheres, 78% das jovens entrevistadas relatam já ter sofrido algum tipo de assédio sexual e violência. E três em cada dez mulheres dizem ter sido assediadas sexualmente no transporte público.

Índices de crimes como o feminicídio também possuem estatísticas que colocam o país entre os campeões do ranking de crimes de gênero, é o que demonstra a pesquisa “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”. O levantamento é o último estudo realizado pelo governo federal de mapeamento da violência contra a mulher no país, feito pelo IPEA e publicado no ano passado. Segundo o estudo, estima-se que, entre 2009 e 2011, o Brasil registrou quase 17 mil mortes de mulheres por conflito de gênero (feminicídio), ou seja, 5.664 mulheres são assassinadas de forma violenta por ano ou uma a cada 90 minutos, especialmente em casos de agressão perpetrada por parceiros íntimos. Esse número indica uma taxa de 5,8 casos para cada grupo de 100 mil mulheres. A pesquisa, coordenada pela técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto Leila Posenato Garcia, aponta que o Espirito Santo é o estado brasileiro com a maior taxa de feminicídios, 11,24 a cada 100 mil, seguido por Bahia (9,08) e Alagoas (8,84). A região com as piores taxas é o Nordeste, que apresentou 6,9 casos a cada 100 mil mulheres, no período analisado. Um ranking feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) aponta o Brasil na 7ª posição entre os países com maior número de feminicídios. Em primeiro lugar, fica El Salvador, onde este tipo de crime já foi tipificado.

O machismo também foi tema de debate recentemente no legislativo quando no último dia 25/11 a vereadora Lucimara Passos (PCdoB) fez um protesto no plenário da Câmara de Aracaju, ao mostrar uma calcinha na tribuna, durante discurso de repudio dirigido ao também vereador Agamenon Sobral (PP), que na semana anterior, havia relatado o suposto caso de uma noiva que teria tentado se casar na igreja sem a peça íntima, afirmando que: “A mulher merecia levar uma surra, pois era uma vagabunda.”. Menos de 15 dias depois (9/12), novo caso polêmico acontece na Câmara, dessa vez com o deputado federal Jair Bolsonaro (PP), que se posicionou contra o Dia Internacional dos Direitos Humanos durante discurso no plenário e se dirigiu à deputada Maria do Rosário (PT) afirmando: “não te estupraria porque não você merece”. 

O Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, aceitou o pedido das bancadas do PT, PCdoB, PSB e PSOL para o processo de cassação do mandato de Jair Bolsonaro (PP-RJ). “Há um sentimento geral no Plenário de que dessa vez o parlamentar exorbitou todos os limites toleráveis”, disse a líder da Bancada Feminista na Câmara, Jô Moraes (PCdoB).

Marina Ganzarolli avalia que a declaração do deputado cria um precedente para a cassação do seu mandato “Neste caso em particular, creio que a instauração de procedimento na Comissão de Ética leve à cassação do mandato por quebra do decoro parlamentar do deputado.

Primeiramente, pelo fato de que ele é reincidente, já tendo feito uma declaração absolutamente inaceitável anteriormente. Nossa democracia é ainda muito jovem, mas não podemos permitir retrocessos. As declarações deste cidadão e seus posicionamentos remetem aos tempos da ditadura. Mas diferentemente do regime ditatorial, agora temos instrumentos democráticos de cobrança dos Poderes Executivo e Legislativo que podem garantir que de fato sejam tomadas medidas de sanção contra este ato de violência.”, diz a advogada.

Na visão da militante feminista Elenara Vitoria Cariboni Iabel, fundadora e membro da diretoria da instituição civil sem fins lucrativos “Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos ”, a impunidade para os crimes de gênero é reflexo do legislativo: “O descaso do judiciário é um reflexo do legislativo, nossos legisladores de hoje pensam como os legisladores de 1940, basta ver o caso do vereador e que a vereadora levou sua calcinha na mão para o plenário. Há uma certa permissão de que os violadores ou agressores sexuais não sejam culpabilizados, devido ao entendimento de que o seu comportamento não seria condenável, visto que a vítima de algum modo teria contribuído para a agressão sexual. As discriminações encontradas nas decisões judiciais não decorrem somente das leis, mas da interpretação delas. Os operadores do direito e da justiça acabam repetindo preconceitos, fazendo com que as vítimas permaneçam sendo julgadas. Você, mulher, tem direito de se queixar da violência sofrida, entretanto, a menor contradição será utilizada contra você. A disposição do corpo não diz respeito somente à questão da sexualidade. Mais do que isso, é uma questão que envolve o respeito à dignidade humana.”

Elenara também alerta que a taxas de crimes de gênero podem ser ainda maiores, dada a subnotificação em decorrência da impunidade e humilhação das vítimas: “Nunca é demais lembrar que as informações produzidas pelo sistema de justiça criminal não são um indicador da ocorrência da criminalidade, mas, antes da repressão exercida sobre ela por esse sistema, pois ficam de fora desta contabilidade os casos que não foram levados ao conhecimento da polícia. É comum afirmar que nos crimes sexuais é alto o índice de casos em que vítimas não apresentam denúncia, atribuído a um padrão de comportamento de grande parte das pessoas vitimadas: o silêncio.”

Telma Low acredita que a lógica discursiva e prática do machismo, que leva à violência contra a mulher, é fruto também de uma estrutura social capitalista, em que os privilégios da hierarquia social e o controle dos mecanismos de produção legitimam a violência: “Penso que é importante registrarmos que os movimentos feministas vêm ao longo do tempo denunciando a existência de desigualdades entre homens e mulheres, fruto de um sistema patriarcal e também capitalista, que naturaliza e legitima a violência contra as mulheres considerando o homem, o masculino, como sujeito único dominante. Com o feminismo as mulheres se instituem como sujeitos políticos e passam a lutar coletiva e publicamente pelos seus direitos. É um grande avanço a violência passar a ser considerada uma questão de âmbito público, desconstruindo a ideia de que é algo do privado e da intimidade do casal. Para tanto, temos que debater sobre as questões pautadas pelo feminismo no espaço escolar, nos serviços de saúde, no contexto laboral, na mídia. De modo a dialogar mais sobre o machismo que se perpetua nas formas de pensar e de se relacionar de muitas pessoas. Enfim, diante de todas essas questões, vale a pena nos perguntarmos se podemos dizer que houve um incremento da mentalidade sexista ou se hoje podemos, falamos e visibilizamos mais o sexismo. Pois, como dissemos, se talvez hoje nós falamos mais sobre o tema e talvez consigamos identificar e visualizar melhor a ocorrência das violências.”, afirma a psicóloga.

Para a socióloga Patrícia Rodrigues, a legislação brasileira é avançada, mas há despreparo e negligência no judiciário “A legislação, sobretudo de estupro, no Brasil, é uma das mais completas, uma vez que não considera estupro somente quando há penetração, e sim com atos sexuais e abusivos realizados sem consentimento, hoje inclusive trabalha-se para considerar penetração anal forçada também como caso de estupro uma vez que grande parte das crianças menores de idade sofre abuso sexual que não se registra como estupro por se tratar dessa forma de ocorrência. Contudo sem dúvida há negligência do judiciário no julgamento dos casos.

Nosso Estado ainda é profundamente patriarcal e racista o que acarreta muitas vezes no ocultamento dessas questões em processos de julgamento e descaso em relação às mulheres vítimas de violência. Acredito que a melhoria dos serviços, do atendimento, e efetivação dessas leis são fundamentais para o estímulo a denúncia bem como o esclarecimento cotidiano e social dessas questões.” 

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