O problema das “cantadas”: por que o assédio verbal não é levado a sério?

02 de maio, 2016

(Revista Donna, 02/05/2016) Na sexta-feira, dia 29, uma postagem na página Spotted PUCRS no Facebook denunciou um caso de assédio verbal sofrido por estudantes do curso de Nutrição da universidade em uma visita à Ceasa. Segundo o relato, funcionários gritavam cantadas de cunho sexual para as alunas que andavam pelo pavilhão e a professora que acompanhava pediu apenas para as jovens ignorarem, apenas interferindo quando a situação gerou uma briga entre um funcionário da Ceasa e um aluno.

O episódio chamou atenção para um dos ataques mais comuns sofridos pelas mulheres diariamente, o assédio verbal. E um dos que é levado menos a sério: afinal, o que tem de tão horrível em levar uma cantada na rua?

– As famílias não ensinam os filhos a serem respeitosos e educados com as mulheres. É um absurdo que um homem possa proferir qualquer tipo de gracejo para uma desconhecida na rua; mesmo que ele ache que está elogiando, é um desrespeito – reflete a professora da Faculdade de Educação da UFRGS Jane Felipe de Souza, integrante do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERS). – É uma questão de gênero, de educação: os homens são ensinados que podem fazer absolutamente tudo. Por sua vez, as mulheres são educadas para achar que isso é normal e até mesmo lisonjeiro, o que não é.

O número de assédios verbais é pelo menos cinco vezes maior do que as outras formas e as “cantadas” mais ouvidas são os clichês “gostosa” e “ô lá em casa!”. As informações são do aplicativo Sai Pra Lá que recebe denúncias de situações de assédio com o local e horário em que aconteceram. O objetivo é conhecer os casos no país para motivar campanhas e ações preventivas. Segundo a criadora do app, Catharina Doria, o aplicativo já recebeu entre 25 e 30 mil denúncias de assédios verbais desde que foi criado, em novembro do ano passado.

111

– O assunto e o problema são claros, mas ninguém quer resolver na raiz. Todo mundo acha que é cotidiano, é sempre assim, as pessoas falham em resolver a situação. Está faltando seriedade – comenta Catharina, argumentando que todas as empresas e universidades deveriam ter palestras sobre os diferentes tipos de assédio no início do ano.

Outras formas de combater o assédio sexual em espaços públicos também mostram números igualmente preocupantes. A campanha Chega de Fiu Fiu do coletivo Think Olga, lançada em 2013, fez uma pesquisa na época em que 99,6% das quase 8 mil mulheres entrevistadas disseram ter sido assediadas com cantadas na rua. No site da campanha, é possível fazer uma busca por cidade e descobrir onde e como ocorreram casos em diferentes pontos. Em Porto Alegre, há concentração clara de denúncias na área central.

chega de fiu fiu

Ainda em fase de desenvolvimento, o aplicativo Metendo a Colher, criado pela pedagoga Rafaela Melo, integrante do GEERS, tem o objetivo de apresentar por meio de mapas dados da violência de gênero no Rio Grande Do Sul com o objetivo de promover debates e discussões no espaço escolar sobre a violência contra mulher. Utilizando dados da Secretaria de Segurança Pública e denúncias, o aplicativo divide os casos em categorias de violência: feminicídio (tentativa e consumado), ameaça, lesão corporal e estupro.

Para Jane Felipe, o grande problema é a forma como se enxerga o assédio, principalmente o verbal.

– Esse comportamento não é visto como tão invasivo como deveria ser. As mulheres precisam enxergar essas cantadas não como elogiosas, mas extremamente invasivas e desrespeitosas – comenta Jane, destacando que este tipo de comportamento está baseado em uma condição machista que acredita que os homens têm direito de assediar as mulheres de várias formas.

Natasha Heinz

Acesse no site de origem: O problema das “cantadas”: por que o assédio verbal não é levado a sério? (Revista Donna, 02/05/2016)

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