Além de não ser eficiente para acabar com a violência de gênero, mulheres são mais castigadas pelo machismo do Judiciário e as que mais sofrem as consequências do aprisionamento populacional
Victória Wingter, 22, dormia no sofá de casa quando foi atacada com 14 facadas em maio de 2021 pelo ex-companheiro, Denílson Araújo Leal. Foram meses internada. Quando acordou, viu o delegado na beira da cama, pedindo mais informações sobre o crime. Mesmo com a promessa de que a justiça seria feita, levando o agressor à prisão, a sensação foi de absoluto desamparo.
Os pais dela, que na época atuavam como motorista e operadora de telemarketing, na periferia de uma grande capital, tiveram que se afastar de seus trabalhos para garantir o cuidado e a segurança da filha. Sem renda ou expectativa de melhora, a família precisou travar outra luta pela sobrevivência. Dessa vez, contra a fome.
Ao se concentrar numa ideia de justiça que coloca todos os esforços na punição do agressor, o Estado ignora a dimensão estrutural da violência –que passa pela pobreza, racismo, LGBTfobia, escolaridade– e trata o crime, apenas como algo interpessoal, o agressor contra a vítima. Sem olhar para o contexto social, como parte da violência, a realidade não é transformada, o que prejudica não só a proteção da vítima, mas também impacta a capacidade dela de se reerguer.