Campanha de combate ao racismo no SUS é esquecida pelo Ministério da Saúde

23 de maio, 2016

(Brasil de Fato, 16/05/2016) Mais de um ano após o lançamento de campanha “Não Fique em Silêncio”, não há dados sobre sua eficiência

A campanha “Não Fique em Silêncio”, criada pelo Ministério da Saúde como forma de combate ao racismo no Sistema Único de Saúde (SUS), parece não ter efetividade. Mais de um ano após seu lançamento, o Ministério foi procurado pelo Saúde Popular e não apresentou nenhum tipo de levantamento sobre as denúncias realizadas ou o encaminhamento dado a elas.

No Brasil, 60% das mortes de mães que deram à luz nos hospitais do SUS ocorreram entre mulheres negras - Créditos: Reprodução

No Brasil, 60% das mortes de mães que deram à luz nos hospitais do SUS ocorreram entre mulheres negras (Foto: Reprodução)

Com o slogan “Racismo faz mal à saúde. Denuncie”, a campanha coloca à disposição da população o “Disque Saúde 136”, para que as pessoas denunciem casos de discriminação racial sofridos no sistema público de saúde. A ouvidoria geral do Ministério, entretanto, não possui nenhuma área específica de acolhimento a esse tipo de queixa, o que “dificultaria o mapeamento desses dados”, segundo a assessoria.

No Brasil, de acordo com o governo federal, 60% das mortes de mães que deram à luz nos hospitais do SUS ocorreram entre mulheres negras e 34% entre as brancas. Na primeira semana de vida, a mortalidade também é maior entre crianças negras – 47% dos casos, enquanto entre as brancas, são 36%. Ademais, são inúmeros os relatos de mulheres negras que são maltratadas ou que simplesmente não recebem o tratamento adequado.

“Tive uma gravidez de risco. Fiquei 45 dias internada no Hospital das Clínicas até meu filho nascer. Sentia que era tratada diferente das outras pacientes. Eu sentia fortes dores e era ignorada. No dia do parto, o médico tentou induzir o parto normal, mesmo eu tendo diabetes e hipertensão. Meu filho estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço e foi necessário fazer uma cesárea que durou 12 horas. Na época eu não entendia, mas hoje sei que o problema era minha cor”, relembra a estudante de Serviço Social, Fernanda Gomes.

O que mais marcou Fernanda no nascimento de seu filho foi justamente a indiferença como foi tratada pelos funcionários do hospital e os comentários feitos em relação às suas características físicas. Ela conta ainda que sempre que reclamava de dor ou quando alertou o médico sobre a impossibilidade de realizar um parto normal, era surpreendida por frases como “você é preta, pretas aguentam tudo” e “olha seu tamanho, seu quadril é largo, você aguenta”.

“Eles olham para a gente, para a nossa cor, e acham que a gente sempre pode esperar mais. Foram muitas coisas que me fizeram mal no dia do meu parto. As enfermeiras quase nunca atendiam meus chamados e, quando o faziam, era com muita má vontade. Eu sempre fui gorda, e eles me olhavam, preta e gorda, e pensavam que eu não tinha o direito de sentir dor”, relata a estudante.

Herança

Para a fundadora do Instituto Odara e especialista em saúde da mulher negra, Emanuelle Góes, o problema de racismo no sistema de saúde é institucionalizado e está atrelado a uma herança escravocrata.

“As mulheres negras ainda são vistas como eram no período da escravidão, apenas como mão-de-obra. As pessoas ainda acham que somos mais animais do que gente. Somos colocadas como sub-humanas, que suportam mais do que os humanos”, acredita Emanuelle.

Ela lembra também que as grávidas negras tem menor acesso ao pré-natal do que as brancas, já que entre as primeiras, 70% dizem terem ao menos seis consultas nesse período – número preconizado pelo Ministério da Saúde -, enquanto entre as brancas, 85% reportaram o mesmo número de consultas. As negras ainda encontram três vezes mais dificuldade ao recorrerem ao atendimento pós aborto do que as de pele branca.

“Se há um mecanismo antirracismo, ele tem que garantir a informação sobre a questão racial e o acolhimento. Isso não acontece. As coisas estão estruturadas e não estão dispostas a mudar seu modelo. Precisamos encontrar mecanismos de implantação da política porque ela está no papel, mas a gente não consegue efetivá-la”, lamenta a especialista.

Posição

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que “compreende o racismo como um importante determinante social na saúde que impacta diretamente a qualidade do atendimento ofertado à população negra”. E que também não é possível atribuir isoladamente à campanha ”Não Fique em Silêncio” às mudanças no atendimento dado aos negros nos serviços do SUS.

Para isso, o Ministério desenvolveria outros projetos, como o curso à distância sobre saúde da população negra, voltado aos profissionais de saúde que atuam na Atenção Básica.

Há também a implantação de Comitês Técnicos de Saúde da População Negra, com representação da sociedade civil organizada e movimentos negros. E por fim, um incentivo a projetos que apontam diretrizes para execução e readequação de processo de gestão e atenção com vistas à redução das desigualdades étnico-raciais.

Nadine Nascimento

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