Juízes negros debatem cotas e barreiras raciais na carreira jurídica

12 de maio, 2017

A falta de juízes negros em um país cuja população é metade negra ficou evidente quando foi pedido que se levantassem todos os magistrados negros presentes no I Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros. Na plateia, de aproximadamente uma centena de pessoas, 21 se ergueram. Diante da flagrante desigualdade racial na Justiça brasileira, o evento se propõe a discutir soluções para a questão, como a reserva de vagas para negros em concursos públicos.

(Portal CNJ, 12/05/2017 – Acesse o site de origem)

As cotas para negros em concursos do Poder Judiciário existem desde 2015, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução CNJ n. 203, para cumprir o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010). A medida foi tomada após o Censo da Magistratura, realizado pelo Conselho, apontar que, em 2014, negros representavam apenas cerca de 15% do total de juízes do Brasil.

O dado é uma projeção, pois o censo foi feito com base em respostas de cerca de 60% de todos os magistrados. Em alguns tribunais, o percentual é ainda menor – dos 400 juízes do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), segundo o juiz da casa, Fábio Esteves, somente seis são negros.

I Encontro Nacional de Juízes e Juízas Negros. FOTO: Gláucio Dettmar
I Encontro Nacional de Juízes e Juízas Negros. FOTO: Gláucio Dettmar

Graças às cotas criadas pelo CNJ, a juíza do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) Bruna Santos da Costa poderá tentar ser juíza no seu estado natal, São Paulo. Aberto em abril deste ano, o concurso de ingresso na magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reserva 55 vagas de juiz substituto para candidatos negros. Desde que as cotas de 20% para negros em concursos para a magistratura foram implantadas no país, pelo menos seis tribunais de Justiça já realizaram processos seletivos obedecendo à regra. “A norma do CNJ foi um pontapé inicial e necessário para minimizar uma situação racista que existe, mas também é necessário ter representação negra no CNJ e em órgãos classistas, como as associações de magistrados, por exemplo”, disse a magistrada.

O desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Ivanilton Santos da Silva conta que é apenas um dos dois magistrados negros do segundo grau que atuam no tribunal. “Moro em Salvador, a cidade mais negra fora da África, e trabalho no Tribunal da Bahia, o estado de população maciçamente negra. Mesmo assim, só somos dois desembargadores num universo de quase 60 magistrados. É verdadeiramente uma tristeza constatar isso”, afirmou. Segundo o desembargador Ivanilton, ele só foi promovido em 2015 por antiguidade, não por mérito.

Promoção na carreira

Há necessidade de cotas também que viabilizem a promoção não só de juízes, mas de todos os profissionais negros, nas suas respectivas carreiras, de acordo com o padre franciscano e palestrante do painel “Diálogos sobre Racismo e Sociedade”, Frei Davi. “Em 2005, exigimos do Banco Itaú estatísticas oficiais que mostrassem a quantidade de promoções ofertadas a candidatos negros entre os quadros do banco. Após muita insistência, conseguimos os dados, que revelaram o que já esperávamos: os negros estavam parados na carreira, não eram promovidos”, afirmou. Diante da descoberta, a entidade de Frei Davi, a organização Educafro exigiu novas promoções de negros e, seis meses depois, o número de promoções no banco cresceu 300%.

Também palestrante no painel, o ator Milton Gonçalves narrou as dificuldades enfrentadas ao longo da carreira, principalmente as relacionadas ao preconceito racial, e conclamou a união da população negra no Brasil. “Vocês aqui são heróis por terem estudado e se tornado advogados, juízes, promotores, profissionais negros, pois sempre acham que não somos capazes”, afirmou.

O evento continua nesta sexta-feira (12/5), em Brasília/DF.

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

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