Liberdade para Miriam França, por Dennis de Oliveira

07 de janeiro, 2015

(Fórum, 07/01/2015) Na minha trajetória de luta contra o racismo e em defesa dos direitos humanos e sociais, frequentemente ouvi duas coisas: primeiro que é necessário negros e negras usarem mais a Justiça, constituir bons advogados, terem boas assessorias jurídicas, enfim, ensinar os direitos; segundo, que negros e negras precisam se educar, se formar, buscar uma ascensão profissional porque o racismo no Brasil é uma questão mais “social” que “racial”.

Leia mais: Juiz opta por não avaliar pedido de revogação de prisão da suspeita (O Povo, 07/01/2015)

Se é possível retirar algo de positivo neste caso absurdo da prisão de Miriam França, acusada do assassinato da turista italiana Gaia Molinari em Jericoacara (CE), é que as duas premissas muito repisadas por brancos e até negros cai por terra. A polícia judiciária e a própria Justiça está sendo absurdamente leniente com uma tremenda ilegalidade – uma prisão preventiva motivada por “contradição no depoimento”, a incomunicabilidade da detenta com os seus familiares e a ausência absoluta de provas cabais que justifiquem a prisão de uma pessoa que é primária, tem endereço fixo, etc. Além disto, Miriam França é uma pesquisadora em formação, cursa doutorado em Farmácia na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, portanto, se “educou” e “buscou uma ascensão profissional”.

Comparem este caso com o do cantor Renner, da dupla Rick e Renner. Dirigiu em alta velocidade, bateu o carro, estava alcoolizado, com a carta vencida e pior… era reincidente neste tipo de infração, tempos atrá, em 2001, s atropelou e matou duas pessoas, dirigindo em altíssima velocidade e embriagado. Na ocasião do atropelamento, pagou 2.000 salários mínimos. Agora, foi solto sob uma fiança de 10 mil reais. Enquanto isto, a Miriam França, considerada culpada pela delegada apenas por ter contradições no depoimento, é presa.

O que há de comum nos dois casos é a prepotência dos delegados. O do caso do Renner, apenas afirmou que compete a ele estabelecer a fiança e que não via necessidade de deter o cantor reincidente. A delegada, irredutível, disse que concluiu que a mesma é suspeita e considerou que mereceria ser presa.

A Defensoria Pública entrou em ação, pediu habeas corpus para a pesquisadora da UERJ, e o juiz da comarca de Cariré encaminhou o caso para a cidade de Jijoca, e a partir do dia 7 de janeiro, a justiça entra no ritmo normal, sem esquema de plantão. Isto significa que há sérios riscos de empurrar o caso com a barriga, aumentando o tempo do martírio de Miriam França.

Bajonas Teixeira Brito Junior, em artigo publicado no Congresso em Foco faz uma síntese bem elaborada demonstrando as inconsistências do caso que apontam muito mais para a inocência que culpa de Miriam França (clique aqui para ler). Por se tratar de um crime contra uma turista estrangeira em uma cidade turística, há uma clara pressão da mídia hegemônica e intenção dos órgãos públicos do Ceará para que se chegue a uma solução rápida do caso, ao arrepio da garantia dos direitos mais fundamentais.

Para fundamentar o absurdo, há uma tentativa nítida de usar de todos os preconceitos, inclusive homofóbicos como se observa nesta insinuação de que Miriam e a vítima eram “amantes” (como está nesteblog) – claro, duas mulheres sós num mesmo quarto em uma pousada, a conclusão seria “óbvia” – e sempre classificar Miriam França como “carioca” que, em determinadas localidades, tem um sentido pejorativo (veja nota da assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança do Ceará que tem o título “Secretaria da Segurança esclarece prisão de turista carioca” (clique aqui para ler).

No momento, o habeas corpus foi protocolado pela defensoria e a luta é pela libertação imediata de Miriam França. Entidades do movimento negro tem se mobilizado em todo o país contra mais este abuso de poder. A pressão é necessária para que a Justiça não empurre o caso com a barriga. Houve pronunciamentos de parlamentares (como Jean Willys e Marcelo Freixo, do PSOL), a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares (RENAP-CE) está acompanhando o caso e já ocorreram manifestações no Rio de Janeiro e em Fortaleza.

Vejam abaixo vídeos do portal G1 com entrevistas com a Defensoria Pública que assumiu o caso que está ganhando repercussão internacional.

http://g1.globo.com/ceara/cetv-1dicao/videos/t/fortaleza/v/defensoria-publica-assume-caso-e-pede-liberdade-de-suspeita-de-matar-italiana/3875143/

http://g1.globo.com/ceara/cetv-2dicao/videos/t/edicoes/v/defensoria-assume-caso-e-pede-soltura-de-garota-suspeita-de-matar-italiana/3876071/

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