Mulheres e negras, todas as formas de violência pelo simples fato de existir, por Emanuelle Goes

25 de novembro, 2014

(População Negra e Saúde, 25/11/2014) Durante este ano venho observando, muito por conta do Blog População Negra e Saúde, o quanto as mulheres negras são violadas e violentadas em todo mundo pelo simples fato de existir e pela pertença racial negra. Irei fazer uma reflexão em alusão aos 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher que começa no dia 25 de novembro e ao novembro negro.

Como as violências e as violações são muitas nos diversos campos da vida das mulheres negras, neste texto irei me remeter somente e tão somente a questão da saúde e mesmo assim não darei conta. Ao mesmo tempo, em meio às leituras que venho fazendo, considero que o campo da saúde é estratégico para a eliminação dos indesejados, a formação da nação, assim como o controle dos corpos das mulheres.

Raça, racismo e gênero foram/são igualmente importantes para a medicina eugênica, pois era pelas uniões sexuais que as fronteiras entre as raças eram mantidas ou transgredidas. Por isso, a eugenia, gênero e raça ficaram ligados à política de identidade nacional, sendo um mecanismo de manutenção do racismo.

E esta relação de controle e regulação dos corpos encontra nas mulheres o alvo perfeito, tanto pelas questões biológicas da reprodução quanto pelas questões pautadas nas relações desiguais de gênero e o patriarcalismo, e no caso das mulheres negras que tem estas relações mais agravadas, pois tem o racismo como estruturante.

Cuidemos de nossas meninas

De acordo com a Organização Mundial de Saúde cerca de 140 milhões de mulheres e meninas sofreram mutilação genital em todo mundo. O procedimento pode ser realizado em diversas idades, desde pouco após o nascimento até quando uma mulher completou seu desenvolvimento. As mulheres e meninas que tem suas genitais mutiladas frequentemente sofrem de dor severa, hemorragias, choque, dificuldades para urinar, infecções e, em algumas ocasiões, inclusive a morte. Muitas sofrem também de dor crônica, dificuldades durante o parto – incluindo um risco maior de mortalidade materna, diminuição do prazer sexual e transtorno de estresse pós-traumático. Leiam um pouco mais sobre o assunto no artigo Serra Leoa adota enfoque inovador para pôr fim à mutilação genital feminina.

Segundo os especialistas da ONU, por conta do Dia Internacional das Meninas, reitera que empoderar as meninas adolescentes e ajudá-las a alcançar o seu potencial é um passo fundamental para acabar com a violência contra as mulheres e meninas. A violência contra as adolescentes é muito comum, frequente e tolerada, muitas vezes por causa da discriminação e da desigualdade persistente entre os gêneros. A  discriminação de gênero profundamente enraizada e as normas sociais colocam as jovens adolescentes em risco de abusos e violência, comprometendo a transição da infância para a fase adulta.

Pelo direito de decidir

Em muitas situações as mulheres estão sendo esterilizadas, principalmente as mulheres negras, o que para o movimento de mulheres negras não é nenhuma novidade que lutaram contra a esterilização em massa das mulheres negras no Brasil durante o final da década de 80. No entanto na atualidade temos casos emblemáticos em outras partes do mundo como nos Estados Unidos da America mais precisamente na Califórnia, onde mulheres negras em situação de prisão estavam sendo esterilizados sem autorização e sobre coação dos profissionais de saúde.

Em um relatório feito pelo o centro de jornalismo investigativo na Califórnia em 2012, que fez várias entrevistas com mulheres que foram esterilizadas, esse fato foi relevado. Numa entrevista com uma mulher negra detenta que foi coagida para fazer esterilização disse que ela estava grávida e na hora para de dar á luz, um momento emocionante e vulnerável, foi quando o medico da prisão sugeriu a esterilização para ela (JOHNSON, 2013).

Adiante seguirei a ordem cronológica, geracional, do ciclo de vida. Apresentarei fatos que foram registrados ao longo deste ano.

E no Quênia, em Nairobi, as mulheres com HIV e AIDS são vítimas do Estado e de alguns profissionais de saúde. Práticas de esterilização são realizadas sem o consentimento das mulheres, simplesmente por serem portadoras do vírus HIV e/ou por possuírem a doença (AIDS). Tal procedimento foi reconhecido por organismos internacionais, regionais e nacionais de direitos humanos como uma violação dos direitos humanos, e como uma forma de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, bem como uma forma de violência contra as mulheres.

No relatório realizado pela ONG Iniciativa Africana de Mídia e Gênero, estão detalhados 40 casos de mulheres do Quênia que foram esterilizadas de maneira forçada porque eram soropositivas. Há um caso de uma mulher que descobriu no pré-natal que tinha HIV, por esse motivo os médicos lhe disseram que a maneira mais segura de ter o bebê sem transmitir o vírus seria realizando uma cirurgia cesárea. Durante a cesariana, sem que a mulher soubesse ou desse seu consentimento, foi esterilizada.

A fala que segue, relata o caso de uma mulher que foi esterilizada em um outro momento, que não o parto: Me disseram que eu precisava de uma cirurgia no meu útero para me livrar de câncer. Foi durante a recuperação pós-cirúrgica quando eu soube que eu tinha sido esterilizada “.

Em resposta às violações constantes dos direitos humanos contra as mulheres que vivem com o HIV, a rede Comunidade Internacional de Mulheres Vivendo com HIV (ICW global), criada por e para as mulheres que vivem com o HIV, liderou uma campanha global contra as violações sistemáticas dos direitos humanos das mulheres soropositivas, a fim de documentar e analisar os casos relatados, apoiar os sobreviventes e a mobilização das comunidades, as organizações da sociedade civil e decisões políticos para falar contra essas violações dos direitos humanos.

Mortalidade Materna é um ato de violência

Ao longo dos anos estão sendo apresentados estudos que apresentam as diferenças no acesso das mulheres por conta de sua raça/cor (mulheres negras, indígenas e brancas), idade (mulheres adolescentes e adultas) e de vários lugares (rural e urbano, norte e sul). O Brasil recentemente apresentou a sua melhora na diminuição da taxa de mortalidade materna e que mesmo não alcançando o Objetivo para o Desenvolvimento do Milênio que trata sobre a Saúde Materna, ODM 5, obtivemos avanços positivos, e isso é fato. No entanto são dados globais, que precisamos ficar atentas às especificidades e particularidades das mulheres que tem cor/raça/etnia, idade e lugar.

Na África Sul as mulheres continuam a morrer de morte materna e a taxa de mortalidade materna é inacreditavelmente elevada. Em 2011 foram registradas 1.560 mortes maternas e em 2012 o registro dá conta de 1.426 casos. Mais de um terço das mortes estiveram relacionadas com o HIV. Peritos sugerem que 60% podiam ter sido evitadas. “Luta pela Saúde Materna: Obstáculos aos Cuidados Pré-Natais na África do Sul” demonstra a ligação entre as centenas de mortes maternais registradas todos os anos no país e o receio em torno da confidencialidade do paciente e dos testes ao VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana), a falta de informação e os problemas relacionados com o transporte. Tudo isto faz com que as mulheres não procurem cuidados pré-natais precoces.

E como vai a saúde sexual das mulheres negras idosas?

Poucas são as informações sobre a saúde das mulheres idosas e se acrescentar o racial a situação piora, a invisibilidade da saúde sexual e da sexualidade das mulheres nos extremos das idades (adolescentes e velhas) precisam ser colocadas no campo da equidade e do direito sexual, pois as mulheres idosas por não fazer mais parte da idade reprodutiva são colocadas a margem do acesso e dos cuidados da saúde sexual.

Finalizando por hora!

Se as lutas por garantias de direitos a saúde não contemplar as mulheres e as suas interseccionalidades estarão distante de efetivar direitos e de reivindicar agendas legitimas, pois a dimensão das trajetórias e experiências vividas deve ser contemplada na agenda da saúde tanto no campo da política e quanto do direito.

Por uma saúde sem racismo, sexismo! Pelo direito de existir, pelo bem viver!

*Emanuelle Goes – Blogueira. Enfermeira. Mestra em Enfermagem. Doutoranda em Saúde Pública. Odara Instituto da Mulher Negra

Acesse no site de origem: Mulheres e negras, todas as formas de violência pelo simples fato de existir, por Emanuelle Goes (População Negra e Saúde, 25/11/2014)

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