Por que o ativismo das mulheres negras incomoda tanto?

10 de dezembro, 2016

Seja no mercado de trabalho ou cultura, a luta da mulher negra para conquistar espaço e ser respeitada é ainda mais difícil que a da mulher branca

(El País, 10/12/2016 – acesse no site de origem)

A publicitária e ex-modelo Luana Genot há tempos assumiu o desafio de levar ao mundo empresarial a luta contra o privilégio da cor da pele. Cansada de sofrer com o racismo e machismo, ela fundou o Instituto Identidades do Brasil (ID_BR), e literalmente tem batido na porta das empresas para mudar esta realidade. “Perguntei para um menino negro de seis anos o que ele queria ser quando crescer, e ouvi que ele seria segurança, pois esta é uma profissão de preto. Não podemos permitir que as crianças se apropriem desse discurso, por isso precisamos de exemplos”, afirma Luana, que participou do Seminário Brasileiras – como elas estão mudando o rumo do país, realizado no dia 2 de dezembro, em São Paulo, pelo EL PAÍS e a Agência Locomotiva.

Leia mais: Rihanna sobre rivalidade com Beyoncé: ‘Não coloquem mulheres negras umas contra as outras’ (HuffPost Brasil, 09/12/2016)

Maria Rita Casagrande, fundadora do Blogueiras Negras e sócia da Infopreta, também conhece na pele o sofrimento que o estereótipo em relação a mulher negra pode causar. Formada em análise de sistemas, por muitos anos Maria Rita trabalhou como atendente de telemarketing por não encontrar outro emprego. Da necessidade de compartilhar suas experiências, nasceu o Blogueiras Negras, um espaço que une mulheres que escrevem, falam e produzem conhecimento a partir de suas vivências e experiências como mulheres negras. Empreender com o Infopreta foi outra oportunidade que encontrou para fazer o que deseja e não o que outros desejam para ela. “É comum nos oferecerem visibilidade, mas nós queremos oportunidades, emprego, apoio”, afirma.

O avanço do ativismo online de mulheres negras se tornou um importante canal para vencer as barreiras criadas pelo racismo. “A internet é o espaço que as mulheres negras encontraram para existir, já que a mídia hegemônica nos ignora”, explica Djamila Ribeiro, secretária-adjunta de direitos humanos da prefeitura de São Paulo. Segundo ela, os brasileiros ainda veem o racismo como algo da esfera privada, por exemplo, quando a atriz Taís Araújo é atacada na internet. E não como um sistema de opressão, que impede o acesso a determinadas esferas.

Trazer este tema à tona, e propor reflexões sobre o papel da sociedade na manutenção das estruturas de racismo não é fácil. “Há um incômodo das pessoas com o tema, mas isso é importante, ou todos vão achar que está tudo bem”, explica Djamila.

A representação na cultura

A cineasta Tata Amaral conheceu este incômodo pelos olhos de sua filha. Nos anos 80, as duas costumavam ir ao cinema ver principalmente blockbusters americanos. A menina nem sabia ler, mas percebia que os personagens negros morriam sistematicamente nos filmes. A criança notou também que os bandidos eram sempre os latinos, negros e árabes. Tata lamenta que a representação que orientavam o cinema na época pouco mudaram. “Fiz um documentário sobre hip hop e percebi que o jovem se identificava como PPP – preto, pobre da periferia, o que na sociedade tem uma carga ruim, representando o traficante, o bandido.”

O cinema que é produzido no Brasilreflete um poderoso complexo de representações, que exclui a maioria da população brasileira, composta por mulheres e homens negros. Os estratagemas de representação do racismo e machismo vêm como entretenimento, e o público não se dá conta. “Outro dia liguei a TV e tinha uma bunda rebolando para a câmera. A bunda não tinha corpo, perna, sentimento, nada. Era o retrato da mulher brasileira”, afirma Tata. E que quem patrocina esse programa? “São as mesmas pessoas que patrocinam os programas em que negros só servem para morrem, por isso, não dá para discutir feminino sem discutir a questão racial, sem discutir a criação do audiovisual negro”, responde a cineasta.

Do incomodo à agressão

Não são poucas vezes que as ativistas negras são chamadas de “chiliquentas” ou “agressivas” por aqueles que querem desqualificar sua luta. Falta empatia até mesmo dentro do movimento feminista. Djamila explica que as mulheres negras não têm como escolher contra qual opressão elas vão lutar primeiro: ser mulher ou ser negra. Por isso ela critica quem trabalha com dados genéricos sobre o tema, como o de que mulheres ganham 30% a menos do que os homens. Afinal, pesquisas mostram que homens negros ganham menos que mulheres brancas, e mulheres negras menos do que homens negros. “O machismo e o racismo nos tornam mais vulneráveis, por isso é preciso nomear se estamos falando de mulheres brancas, negras, trans ou lésbicas”, afirma.

Djamila é enfática em cobrar que as pessoas brancas se responsabilizem pelo racismo, inteirando-se do assunto e entendendo sua participação nesta mazela nacional, para que possam ser parte da mudança. “Mas de nada adianta fazer isso e pagar 600 reais [menos que um salário mínimo] para a mulher negra trabalhar de domésticana sua casa”, alerta a secretária.

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