“Além de inconstitucional, Lei da Alienação Parental fragiliza proteção de crianças e adolescentes”, destaca PFDC

16 de março, 2020

Uma nota técnica foi encaminhada ao Congresso Nacional para subsidiar análise de projeto de lei que trata da matéria

(PFDC, 16/03/2020 – acesse no site de origem)

Tramita no Senado Federal o PLS nº 498/2018, que pretende revogar a Lei 12.318/2010, conhecida como Lei de Alienação Parental (LAP). O PLS é resultado das denúncias trazidas pela CPI dos Maus Tratos de 2017, que em seu relatório final aponta indícios de abusadores valendo-se da lei como brecha para obter a guarda de crianças abusadas. A relatora do PLS, senadora Leila Barros, apresentou um substitutivo que, ao invés de revogar, propõe alterar a Lei 12.318/2010 no que se refere a apresentação de denúncia sabidamente falsa como forma de alienação parental.

Instituída em 2010, a LAP define como ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores ou responsável para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos.

Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), muito embora a edição da Lei de Alienação Parental e o Substitutivo ao PLS tenham sido apresentados como forma de proteção aos direitos de crianças e adolescentes e em defesa de uma convivência familiar saudável, os pressupostos adotados partem de premissas falsas e que tornam ainda mais vulneráveis indivíduos em situação de litígio judicial.

“O Substitutivo ao PLS 498/2018 tenta trazer uma solução, mas acirra ainda mais problemas congênitos da Lei de Alienação Parental”, destaca a Nota Técnica aos parlamentares.

No documento, o órgão do Ministério Público Federal alerta que o instituto da alienação parental pode representar barreira à proteção de crianças e adolescentes em caso de abuso sexual de difícil comprovação – uma vez que classifica como alienadoras pessoas que se valem do sistema de justiça para proteger meninos e meninas em situação de vulnerabilidade.

“O sistema de justiça, em suas mais diversas instâncias, não está completamente apto a obter a verdade real como pretensiosamente anuncia. Situações de abuso, que não têm testemunhas e não deixam vestígios, dificilmente serão provadas judicialmente. Para esses casos, o relato das mães, das crianças e dos adolescentes vítimas pode ser ferramenta útil na tomada de decisão e em medidas para a interrupção e reparação dos efeitos do abuso. A LAP se mostra, então, como uma ameaça para essas providências, pois formaliza a desconfiança frequente que paira sobre as denúncias de mulheres. Entre não denunciar o abuso e denunciar, correndo o risco de perder a guarda dos filhos para o abusador, a alternativa frequentemente escolhida é o silêncio”.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ressalta que o Brasil é, atualmente, o único país que possui uma legislação específica sobre alienação parental – mas que desde novembro de 2019 tramita no Supremo Tribunal Federal ação questionando a inconstitucionalidade da medida.

“Além de gerar discriminação de gênero, punições judiciais por alienação parental também violam o melhor interesse da criança e do adolescente, que se tornam objetos de disputa e não sujeitos aptos a se posicionarem sobre a sua condição”.

Para a Procuradoria, eventual manifestação do desejo de permanecer com o genitor guardião pode ser visto como uma suposta confirmação das ‘falsas memórias’ implantadas, desencadeando, então, um ciclo vicioso arriscado para o genitor tido por alienador – geralmente a mãe – e sua prole. “Uma verdadeira armadilha na missão de proteger esses atores em fase de desenvolvimento, recorrentemente negligenciados em sua autodeterminação”.

De acordo com o órgão do Ministério Público Federal, a Lei de Alienação Parental torna o sistema contraproducente, sendo motor de acirramento de conflitos e sem garantir os direitos infanto-juvenis que se propõe a alcançar. “Essa foi, inclusive, a conclusão a que chegou o Parlamento mexicano após suprimir do Código Civil do Distrito Federal os dispositivos relativos à alienação parental”, destaca a PFDC. Recentemente, a lei de alienação parental mexicana foi revogada por ser considerada inconstitucional.

Desnecessidade

Dados do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios apontam que, dentre as situações encaminhadas para a equipe psicossocial com notícias de supostas práticas de alienação parental, somente em 0,15% dos casos foi comprovada a sua ocorrência. Outro estudo realizado em Araraquara/SP analisou 80 processos nas varas de família locais. De acordo com os resultados, 17 deles abordaram o tema alienação parental, mas, pelos relatórios psicossociais produzidos, nenhum deles confirmou a existência do fenômeno.

“Isso revela, em alguns tribunais ou comarcas que possuem equipes psicossociais oficiais, um percentual irrisório de ‘diagnósticos’ em relação à enorme quantidade de vezes em que o instituto da alienação parental foi invocado nas varas de família como argumento jurídico, o que parece ser um indício de que não se trata de uma epidemia, mas de um discurso. Discurso lucrativo à advocacia privada e às atividades periciais nomeadas ad hoc para manifestação em processos judiciais”.

A Nota Técnica da Procuradoria destaca ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 98 e 100, já dispõe de instrumentos jurídicos suficientes à salvaguarda dos direitos das crianças e adolescentes à convivência familiar saudável, orientada pela mínima e proporcional intervenção estatal, pela responsabilidade parental e pela oitiva e participação obrigatória das crianças e adolescentes nos casos que envolvam seus direitos e interesses. O ECA prevê, inclusive, medidas de urgência nas hipóteses de risco às crianças e adolescentes por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.

“Inevitável, portanto, concluir pela desnecessidade da LAP para a observância do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente mediante o conjunto normativo preexistente. Não se trata de uma lei boa com uma aplicação ruim, mas de uma norma com vícios de origem, que direcionam uma prática diversa daquela que a norma anuncia”.

A Nota Técnica é assinada pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e pelos procuradores da República que integram os Grupos de Trabalho da PFDC sobre Criança e Adolescente e sobre Direitos Sexuais e Reprodutivos.

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