Importunação sexual: arma pouco utilizada no combate à violência contra a mulher no carnaval, por Thais Pinhata

21 de fevereiro, 2020

A chegada do carnaval traz para as mulheres que optam por aproveitá-lo nas ruas uma única certeza: o assédio, seja em si, seja em outras. Uma profusão de beijos forçados, toques inadequados e sem consentimento, e as famosas encoxadas dividem espaço com purpurina, confete e serpentina, porém, poucas são as mulheres que sabem quais providências podem ser tomadas caso sejam vítimas dessas práticas.

(Jornal Jurid, 21/02/2020 – acesse no site de origem)

Tantos são os casos registrados nesse período que as cidades onde o fluxo de foliãs é maior costumam realizar campanhas de conscientização específicas para a o período, além de disponibilizar postos extras para denúncia e acolhimento de vítimas. Dados da extinta Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro indicam, por exemplo, que na cidade os casos registrados de assédio e violência contra a mulher chegaram a marca de uma ocorrência a cada três minutos em 2019. Em São Paulo, conforme informou a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, os também altos índices de violência levaram à criação do programa “anjos do carnaval”, em que agentes serão destacados exclusivamente para o trabalho de prevenção ao assédio no carnaval deste ano, a cidade contará ainda com o já conhecido Ônibus Lilás, unidade móvel da Coordenação de Políticas para as Mulheres, que prestará atendimento imediato e encaminhamentos a mulheres vítimas de violência.

Ainda que assustadoramente altas, as taxas são incapazes de traduzir a realidade dada à enorme taxa de subnotificação de casos de assédio, sobretudo daqueles casos em que pela inexistência de violência física acabam sendo encarados apenas como um mal entendido ou um mau a ser suportado. Como parâmetro de comparação, mesmo no estupro, onde há obrigatoriamente há a presença de violência física ou psicológica, nos dados apresentados na mais recente Pesquisa Nacional de Vitimização, de 2013, verifica-se que apenas 7,5% das vítimas de violência sexual registram o crime na delegacia, em outras palavras, por quaisquer que sejam os motivos, 92,5% dos casos não serão relatados.

Esta será a segunda edição do Carnaval em que convencionou-se chamar popularmente por assédio sexual será tipificado como crime, devido à Lei da Importunação Sexual. A medida alterou o Código Penal, acrescentando o artigo 215-A, segundo o qual é crime “praticar contra alguém ato libidinoso, e sem autorização, a fim de satisfazer desejo próprio ou de terceiro”. A pena prevista é de 1 a 5 anos de prisão, não permitindo portanto o arbitramento de fiança em sede policial.

Para que haja crime é indispensável que haja a prática de ato libidinoso, isto é, deve haver toque, seja em si, seja na vítima com fim específico de satisfação da libido.  Importante saber que as cantadas, por mais agressivas ou inapropriadas que possam ser não caracterizam o crime, podendo, entretanto, caracterizar outras violações tais como o crime de injúria ou a contravenção de perturbação da tranquilidade.

Caso seja vítima, a pessoa deve procurar as autoridades policiais para fazer a denúncia, que também poderá ser feita pelos telefones 190 e o Disque 100, ainda que o ideal, nesses casos, seja o flagrante. No carnaval, a melhor opção é buscar os guardas municipais e policiais destacados para o serviço de rua imediatamente. Na impossibilidade de encontrá-los,  é interessante que sejam feitas fotos, vídeos e anotados os nomes e contatos de possíveis testemunhas.

Em alguns casos é possível que haja material biológico, tal como o produto da ejaculação, sendo indicado que a vítima compareça o mais rápido possível à uma delegacia para que seja procedida a coleta do material e, se necessário, feito o encaminhamento para realização de tratamento profilático contra eventuais doenças sexualmente transmissíveis e de acompanhamento psicológico, ambos oferecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde.

Como sociedade, nos resta vigilar e, em sendo testemunhas destes atos, colaborar com suas vítimas. Resta ainda a cobrança para a criação de sistemas de acolhimento de vítimas de crimes sexuais, bem como de soluções propositivas para seus agressores que não passem exclusivamente pela prisão, mas também pela educação e conscientização de seus autores sobre os efeitos nefastos destes atos e de tantos outros atos que, naturalizados pelo machismo estrutural de nossa sociedade, atentam diretamente contra a liberdade sexual de suas vítimas, sobretudo, das mulheres.

Thais Pinhata é advogada da área criminal do Franco Advogados, Mestre e doutoranda em Direito pela Universidade de São Paulo.

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