Dois anos de vida com zika, por Amanda Klasing e Maria Laura Canineu

02 de fevereiro, 2018

O aniversário de uma criança é sempre motivo de celebração. A data se torna ainda mais importante quando completar o segundo ano de vida parecia tão incerto.

(O Globo, 02/02/2018 – acesse no site de origem)

Mas o aniversário de Maria Gabriela Silva Alves, mês passado, embora motivo de alegria, também reforçou as dificuldades que permanecem para ela e sua família nos próximos anos.

Gabi é uma entre milhares de crianças que nasceram com a síndrome congênita do zika no Brasil nos últimos dois anos e meio. Quando a conhecemos, durante uma pesquisa no Nordeste sobre os impactos da epidemia nos direitos humanos, ela tinha 8 meses de idade. Ficamos impressionadas com quão pequena ela era, quão carinhosamente sua mãe a segurava, vestia, ninava, e com o desafio imenso desta mulher ao lidar com tamanha atenção midiática em relação à sua filha e o dificultoso acesso ao sistema público de saúde.

Em julho passado, vimos Gabi novamente, então com 18 meses. À época, ela enfrentava dificuldades para alcançar as etapas de desenvolvimento de uma criança de sua idade. Segurando Gabi em nosso colo, vimos o olhar amoroso de seus pais, Carol e Joselito, e pudemos sentir o quão querida ela é.

Os médicos ainda não estão seguros do como será a vida de Gabi. Mas seus pais têm buscado insistentemente serviços e apoio para ela desde que nasceu. Ela foi a primeira criança nascida com a síndrome de zika na cidade de Esperança, próxima a Campina Grande. Gabi tem uma nova cadeira automatizada, e seus pais, que antes se locomoviam por horas e horas para que recebesse os cuidados de saúde necessários, agora a levam a consultas médicas no próprio município, onde o transporte é fornecido.

Ainda assim, a família enfrenta problemas financeiros. Os cuidados de saúde necessários para Gabi tornaram muito difícil manter seus empregos formais. O apoio financeiro que recebem do governo não compensa a diminuição de renda e o alto custo dos cuidados de Gabi. Eles têm acumulado dívidas enormes para poderem garantir os cuidados de que ela precisa, para prosseguirem com seus estudos visando a um futuro melhor, e mesmo para terem comida na mesa e um teto para morarem.

Gabi e sua família não estão sozinhas. Ainda que as manchetes sobre a zika tenham sumido dos jornais, milhares de crianças ao redor do Brasil e do mundo estão crescendo com a síndrome congênita do vírus. Antes bebês, agora crianças, elas e aqueles que delas cuidam precisam de apoio contínuo. As famílias que entrevistamos para um recente relatório da Human Rights Watch relataram ter dificuldades para comprar os caros medicamentos, se deslocar até centros urbanos para consultas e continuar o trabalho remunerado. Elas falaram de seus medos e suas dúvidas sobre o futuro de seus filhos.

Agora que Gabi e outras crianças como ela completam 2 anos, as autoridades brasileiras deveriam assumir novo compromisso de oferecer às famílias de crianças com síndrome de zika o apoio de que precisam para garantir a seus filhos a melhor qualidade de vida possível. Entre outras coisas, isso requer o desenvolvimento de programas de intervenção precoce, políticas educacionais e iniciativas que acompanhem as necessidades de cada fase de crescimento de Gabi e de outros como ela.

Com a Gabi entrando em seu terceiro ano de vida, desejamos a ela e a sua família boa saúde; eles já passaram por muita coisa até chegarem aqui.

Amanda Klasing é pesquisadora para os direitos das mulheres na Human Rights Watch; Maria Laura Canineu é diretora do escritório Brasil da Human Rights Watch

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