Mulheres voltam a querer engravidar após epidemia de zika

11 de junho, 2017

Fim do surto ainda não foi oficialmente declarado, mas casais retomam sonho de ter filhos

(O Globo, 11/06/2017 – acesse no site de origem)

Se os planos da administradora Caroline Borges tivessem se cumprido, a pequena Lorena, sua filha de 5 anos, estaria a essa altura segurando no colo um irmão ou irmã. Na virada de 2015 para 2016, Caroline e o marido, Marcelo, tentavam engravidar de um segundo filho quando tiveram o projeto bruscamente interrompido pela epidemia da síndrome congênita resultante da infecção pelo vírus da zika, que atingia os fetos em formação.

Leia mais: Casos de zika do Amazonas têm redução de 91% (Portal do Holanda, 10/06/2017)

— Meu marido me proibiu de ficar grávida em 2016 — brinca Caroline. — Eu fiquei muito receosa, mas o mais preocupado foi ele. Só no início deste ano voltamos a tentar.

Ao decidir adiar o sonho de aumentar a família até que a epidemia passasse, o casal entrou para o grupo dos “grávidos pós-zika”: desde fevereiro, a barriga de Caroline cresce lentamente, começando agora a sinalizar o contorno dos quatro meses de gestação.

Embora, àquela altura, o Ministério da Saúde ainda não tivesse declarado oficialmente o fim da epidemia — o que veio a ocorrer em 11 de maio —, o número de casos, tanto de zika quanto de microcefalia, já havia despencado em relação aos primeiros meses de 2016. E Caroline sabia que não poderia esperar muito: aos 39 anos de idade, completados em dezembro, ela considera que estava no limite.

— Se não engravidasse no primeiro semestre deste ano, não engravidaria mais — avalia ela, que, apesar da idade, gerou o bebê sem tratamento de fertilidade. — Era um desejo forte ter mais de um filho. Tenho quatro irmãos e sempre gostei da ideia de ter uma família grande.

CINCO ANOS DE TENTATIVAS

Em São Paulo, Priscilla Freitas, de 33 anos, passou por frustração semelhante, mas se sentiu ainda mais angustiada porque já tentava engravidar por cinco anos, sem sucesso. Ela chegou à conclusão, ainda no início de 2016, de que ela e o marido não conseguiriam ter filhos pelo método natural. Nela, foi diagnosticada uma endometriose. Nele, um problema de contagem espermas. A saída era a reprodução assistida, mas resolveram esperar até abril de 2017 para iniciar o tratamento.

A paulistana Priscilla Freitas iniciou tratamento de fertilização em abril (Foto: Edilson Dantas)

— Eu queria muito ter engravidado ano passado, mas, se isso tivesse acontecido, eu teria ficado extremamente insegura — afirma Priscilla, que conta atualmente oito semanas de gravidez.

A decisão do Ministério da Saúde de declarar, no mês passado, o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional em decorrência da zika e de sua associação com a microcefalia e outras alterações neurológicas, teve respaldo numa redução drástica das ocorrências. O balanço mais recente mostra que houve 95,1% menos casos de zika até 13 de maio deste ano em comparação com o mesmo período de 2016. E, enquanto desde o início das investigações, em outubro de 2015, foram notificados 13.719 casos de microcefalia, apenas 293 surgiram em todo país este ano, até 6 de maio.

No ápice da epidemia, no primeiro trimestre de 2016, a procura por tratamentos de fertilização in vitro em clínicas brasileiras chegou a cair de 20% a 50%, dependendo do estado, segundo especialistas consultados pelo GLOBO.

O médico Giuliano Bedoschi, especialista em reprodução humana que acompanha a gravidez de Priscilla, fez recomendação de adiamento de fertilização a muitas mulheres que o procuraram na época, mas considera que hoje é seguro iniciar uma gestação.

— Sei de centros no Nordeste que tiveram 50% de redução ano passado. Agora, estou incentivando casais que esperaram a não postergarem mais — diz.

No Rio, o especialista em ginecologia e reprodução humana Marcio Coslovsky lembra que, na clínica em que trabalha, a quantidade mensal de tratamentos caiu 30% no época da zika.

— Ninguém sabia se atribuía essa queda à zika ou à crise econômica. Mas parece que a zika predominou. Algumas pacientes minhas que já estavam grávidas ficavam praticamente em “cárcere privado”, evitando sair de casa para não serem picadas — recorda-se Coslovsky.

Especialista em reprodução assistida, o médico Marcello Valle destaca que, mesmo após o fim da epidemia, é necessário que as grávidas se mantenham protegidas do Aedes aegypti.

— Hoje o cenário é de mais preocupação entre os profissionais de saúde do que entre as próprias pacientes, porque há a impressão de que o vírus da zika foi embora. Não podemos esquecer a prevenção — ressalta ele, diretor de uma clínica carioca.

Ginecologista e obstetra, Maria Cecília Erthal avalia que, na clínica de reprodução assistida da qual é diretora-médica, não foi constatada uma redução no número de tratamentos, mas sim muitos adiamentos da etapa de transferência dos embriões — quando eles são colocados no útero da mulher, após os óvulos serem coletados e fecundados.

— Muitas pacientes nossas decidiram não interromper o tratamento, mas deixar os embriões criopreservados, guardados. E elas podem fazer isso por até um ano sem custo extra — diz.

Entre aquelas que já haviam engravidado quando a epidemia explodiu, houve quem optasse até mesmo por “fugir” do país, como a arquiteta Alessandra Bernstein, que passou em Nova York, nos EUA, o segundo trimestre de sua gravidez. Este é o período crítico para infecção por zika, por se tratar da época de deenvolvimento intrauterino do bebê.

— Eu sou extremamente ansiosa e já fazia tratamento de fertilidade havia cinco anos, então tive a sorte de poder fazer isso, que poucas pessoas têm. Minha mãe, de personalidade forte, insistiu que bancaria tudo e ficou comigo lá, em um imóvel que alugamos — lembra Alessandra, hoje mãe de de gêmeos.

Clarissa Pains

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