A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (9) que um transexual pode mudar o sexo registrado em sua identidade civil sem necessidade de realizar uma cirurgia de mudança de sexo.
Os órgãos responsáveis pelo cadastro civil ficam proibidos de incluírem, ainda que de forma sigilosa, a expressão “transexual”, o sexo biológico e os motivos das modificações registrais.
A decisão final do STJ não vai obrigar outros tribunais a decidirem da mesma maneira, mas servirá de referência para casos semelhantes nas instâncias inferiores.
A decisão foi tomada após os ministros acolherem pedido de modificação de nome e de gênero de uma transexual que apresentou uma avaliação psicológica pericial para demonstrar que se identificava desde a infância como mulher.
Para o colegiado, o direito dos transexuais à retificação do registro não pode ser condicionado à realização de cirurgia, que pode inclusive ser inviável do ponto de vista financeiro ou por impedimento médico.
No pedido de retificação de registro, a autora afirmou que, apesar de não ter se submetido à operação de transgenitalização, realizou intervenções hormonais e cirúrgicas para adequar sua aparência física à realidade psíquica, o que gerou dissonância evidente entre sua imagem e os dados constantes do assentamento civil.
Antes de chegar ao STJ, o caso tramitou no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS). O TJ permitiu a mudança no nome do transexual, mas negou a alteração do gênero no registro civil de masculino para feminino.
O recurso ao STJ foi apresentado pelo próprio Ministério Público, que se manifestou favoravelmente à mudança no registro.
Em seu voto, o relator do caso no STJ, ministro Luís Felipe Salomão, argumentou que o Estado não pode impor restrições contra a “dignidade da pessoa humana” ao obrigar a realização da cirurgia para mudar o documento. Tal imposição, na visão do magistrado, “configura claramente indevida intromissão estatal na liberdade de autodeterminação da identidade de gênero alheia”.
O ministro chamou a atenção para a legislação argentina que não exige cirurgia nem laudos médicos ou psicológicos para efetuar a mudança no registro civil. Salomão disse que projeto de lei com conteúdo semelhante tramita na Câmara, mas sem avanço.
No voto, o relator afirmou que cabe ao STJ levar em consideração as modificações de hábitos e costumes sociais no julgamento de questões relevantes, observados os princípios constitucionais e a legislação vigente.
No voto, o ministro afirmou que as pessoas caracterizadas como transexuais, via de regra, não aceitam o seu gênero, vivendo em desconexão psíquico-emocional com o seu sexo biológico e, de um modo geral, buscando formas de adequação a seu sexo psicológico.
Supremo
Há ao menos duas ações semelhantes em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF). Em abril deste ano, a Corte chegou a iniciar o julgamento de uma ação.
O julgamento, no entanto, foi adiado, e os ministros apenas ouviram as posições de advogados e da Defensoria Pública da União, sem data para ser retomado. Eles resolveram aguardar outra ação semelhante ser pautada para começarem a votar e decidir sobre a questão.