Tribunal Penal Internacional pune estupros como crimes de guerra

01 de maio, 2016

(Folha de S. Paulo, 01/05/2016) Comandantes de tropas que aterrorizam a população local com a prática de estupros receberam um alerta do Tribunal Penal Internacional (TPI): esses atos serão perseguidos como crimes de guerra e contra a humanidade.

No final de março, a corte condenou o congolês Jean-Pierre Bemba por uma ofensiva militar na República Centro-Africana entre outubro de 2002 e março de 2003.

Testemunhas ouvidas pelo tribunal relataram a prática corrente de assassinatos, estupros coletivos —de mulheres, crianças pequenas e homens— e roubos pelas tropas sob comando de Bemba.

Mais de 5.000 pessoas buscaram a corte para se identificar como vítimas no conflito —que teve mais estupros que assassinatos, segundo a procuradoria junto ao tribunal.

Após quase seis anos do julgamento presidido pela juíza brasileira Sylvia Steiner, o TPI condenou o congolês por crimes contra a humanidade (assassinato e estupro) e por crimes de guerra (assassinato, estupro e roubo). Bemba, preso desde 2008, já recorreu.

A juíza conta como o estupro era usado como forma de submissão e eliminação de resistências. “Houve um caso em que [as tropas] entraram em uma casa para roubar. Uma mulher interferiu e foi estuprada. Quando o marido foi tentar defendê-la, estupraram o marido também”, relata.

A decisão foi festejada como uma vitória das vítimas de agressões sexuais, já que foi a primeira vez que o tribunal enfatizou o estupro como uma das principais condenações.

“O caso de Bemba é um sinal forte que o TPI fará da justiça para os estupros em massa uma importante parte de seu trabalho. E isso é relevante, porque o TPI é a única corte internacional permanente e uma corte de último recurso quando os tribunais domésticos são incapazes ou não estão dispostos a processar”, avalia Geraldine Mattioli-Zeltner, que acompanha casos como o de Bemba, no TPI, pela ONG Human Rights Watch.

“Esperamos que o julgamento mande um sinal poderoso aos comandantes de tropas que eles, também, têm responsabilidade pessoal se não pararem com os abusos”, afirma Mattioli-Zeltner.

Ao comemorar a condenação, a procuradoria que atuou junto ao tribunal afirmou que não vai poupar esforços na briga contra crimes sexuais. E festejou a responsabilização de um comandante pelos crimes praticados pelas tropas.

“É um ponto chave dessa decisão que aqueles com posições de controle têm obrigações legais sobre suas tropas mesmo quando são enviadas ao exterior”, declarou a procuradoria em nota após o julgamento, em 21 de março.

PAÍSES VIZINHOS

Segundo o tribunal, os crimes foram cometidos pelo braço militar do Movimento de Liberação do Congo, presidido à época por Bemba.

Cerca de 1.500 homens foram enviados da República Democrática do Congo à República Centro-Africana para defender o então presidente Ange-Félix Patassé de rebeldes.

Quando foi preso, em 2008, Bemba era senador no Congo.

A defesa do congolês argumentou que Bemba não comandou as tropas nem tinha treinamento militar.

Também colocou em xeque a identificação das tropas pelas vítimas, afirmando que os crimes foram cometidos pelos rebeldes centro-africanos.

A defesa ainda sugeriu que, se Bemba fosse condenado, os países passariam a ter dificuldade de oferecer assistência militar a outras nações.

Enquanto corre a apelação, o TPI deverá proferir a pena a ser aplicada. A reparação às vítimas só será decidida ao final do caso.

Johanna Nublat

Acesse o PDF: Tribunal Penal Internacional pune estupros como crimes de guerra (Folha de S. Paulo, 01/05/2016)

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