Aborto, uma questão de direitos, cidadania e saúde, por Jacqueline Pitanguy

Foto: Daniele Fagundes

Foto: Daniele Fagundes

02 de outubro, 2023 Correio Braziliense Por Jacqueline Pitanguy

Enquanto a América Latina avança na descriminalização do abortamento, previsto na Argentina, Colômbia, Cuba, México, Uruguai e, no contexto internacional, este direito é reconhecido pela maioria absoluta dos países, o Brasil se destaca por ter uma das legislações mais restritivas com relação aos permissivos legais para a interrupção voluntária da gravidez, só permitida em função de gravidez por estupro, feto anencefálico ou risco de vida da gestante e, mesmo nestes casos, a gestante enfrenta inúmeros obstáculos para o seu atendimento pelo sistema de saúde. Consequência direta dessa restrição, o aborto inseguro é a quarta causa da mortalidade materna, que alcança níveis inaceitáveis em nosso país e afeta principalmente as mulheres negras e pobres. Se não vão a óbito ocupam porcentagem significativa dos leitos ginecológicos dos hospitais.

Cerca de dois milhões de mulheres foram internadas em consequência de abortos inseguros segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, de 2021. É evidente que esta situação é um problema de saúde pública e acarreta significativos custos sociais e econômicos para o país . Quantas mães vítimas do abortamento clandestino perdem suas vidas deixando filhos pequenos desamparados? Quantas meninas não chegam à vida adulta ? E quantas sofrem consequências emocionais e severos agravos à saúde ?

O aborto não deve ser visto como como se fosse um ponto fora do ciclo reprodutivo. Esta mesma pesquisa indica que uma em cada sete mulheres brasileiras até 40 anos afirmou ja ter feito um aborto, sendo que 81% delas disse ter uma religião. De fato, a possibilidade de engravidar acompanha as meninas e as mulheres desde sua primeira menstruação.

A vida sexual e reprodutiva requer o acesso à informação e a métodos modernos de contracepção, bem como a atenção à gestação, ao parto e puerpério, a infertilidade, às infecções sexualmente transmissíveis, à menopausa e ao direito a interromper a gestação de forma segura, como recomenda a Organização Mundial da Saúde. Estas são demandas históricas inscritas já em 1986, na Carta das Mulheres Brasileiras aos Constituintes.

É fundamental que as mulheres brasileiras sejam atendidas pelo sistema de saúde pública, para o qual contribuem, como cidadãs plenas de direito e não relegadas ao espaço sombrio e perigoso do mundo do crime, da clandestinidade do aborto inseguro, desprovidas de sua dignidade humana, vítimas de julgamento moral, violadas em seu direito constitucional a saúde e a integridade física e esmagadas pelo silencio cúmplice de parcela significativa da sociedade, que prefere não se manifestar mesmo se, intimamente, apoia o direito de interromper a gestação em determinadas circunstancias.

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