Pesquisa realizada com a participação da Escola de Enfermagem da UFMG mostra dificuldade de acesso ao aborto legal em casos de violência
No período de 2011 a 2021, foram identificados 107,8 mil nascidos vivos cujas mães eram meninas de 10 a 14,5 anos de idade – uma média de 26 nascimentos por dia. A maior parte das gestantes eram meninas pretas e pardas (73,6%), moradoras das regiões Norte e Nordeste (60,6%). Mais de um quinto delas informaram estar em união estável ou casadas (20,7%). Em 5% dos casos, os recém-nascidos não eram da primeira gestação das mães. Os dados foram apurados em um estudo inédito realizado por pesquisadores da UFMG e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Ministério da Saúde.
No Brasil, desde 2009, a Lei 12.015 considera a relação sexual com menores de 14 anos como estupro de vulnerável, independentemente da idade do parceiro ou do relacionamento estabelecido entre eles. “Até 2019, casamentos com menores de 16 anos poderiam ser autorizados pelos responsáveis, mediante ordem judicial especial, em caso de gravidez ou para evitar a imposição de pena criminal, o que revelava as contradições ao lidar com a presunção de violência contra meninas e adolescentes. O Estado era conivente com a gravidez, absolvendo possíveis casos de estupro pela via do casamento”, lembra a professora da Escola de Enfermagem da UFMG Deborah Carvalho Malta, coordenadora do estudo.
A pesquisa foi realizada a partir de dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Malta destaca que a gravidez em meninas de 10 a 14 anos tem despertado grande preocupação no campo da saúde pública, devido aos riscos à gestante, como maior mortalidade materna, bem como aos filhos, que têm maior chance de prematuridade, baixo peso ao nascer e maior mortalidade perinatal (durante o puerpério).
No que diz respeito à prematuridade, os filhos de meninas nessa faixa etária tiveram o maior percentual de nascimento prematuro (18,5%) e baixo peso ao nascer (14,6%). Entre mães adultas, os percentuais foram de 11% e 9%, respectivamente. Os dados coletados na pesquisa revelam o início tardio do cuidado pré-natal nas gestantes de 10 a 14 anos, um indicador importante relacionado ao acesso aos serviços de saúde: 53,8% dos filhos de meninas nessa faixa etária tiveram o início do cuidado pré-natal no primeiro trimestre; 32,1% dos nascidos iniciaram o pré-natal entre quatro a seis meses de gestação e 4,7% acima de sete meses de gestação.