O PL do Aborto é um projeto de poder político e econômico e de tentativa de controle sobre os corpos femininos, que convoca a sociedade para uma reflexão sobre como o tema da interrupção da gravidez deve ser discutido. Essa foi a conclusão de especialistas que participaram do debate ‘Acesso ao aborto legal no SUS: Como acolher e garantir direitos?’, promovido pelo Observatório do SUS da ENSP na última quarta-feira (03/07). As barreiras ao acesso ao aborto legal, a vida limitante imposta às mulheres ao longo dos séculos e a necessidade do direito feminino de decisão sobre seu próprio corpo foram alguns dos assuntos de destaque do evento.
O coordenador do Observatório do SUS da ENSP, Eduardo Melo, abriu o encontro relembrando que o Observatório foi criado há menos de um ano com o objetivo de acompanhar a conjuntura, as políticas e as experiências do Sistema Único de Saúde no âmbito da Direção da ENSP, particularmente da Vice-Direção da Escola de Governo em Saúde (VDEGS).”Temos nos dedicado a explorar alguns grandes desafios estruturais do SUS nessa primeira fase de funcionamento do Observatório e fomos atravessados por um processo não só preocupante, como escandaloso, que foi o PL do Estupro. Nesse sentido, decidimos promover um grande debate sobre esse tema”, explicou.
Por trás do PL do Aborto
“O que está por trás do PL do Aborto?” Com essa provocação, a antropóloga, professora e defensora dos direitos reprodutivos das mulheres Debora Diniz, iniciou sua fala no evento.
Ela avaliou que o tema do aborto ocupou o cenário nacional de uma forma inesperada sob dois aspectos: por se tratar de um retrocesso de uma lei penal de 1940, em uma tentativa de criminalizar e criar barreiras ainda maiores a todas as meninas e mulheres que possam engravidar e chegar aos serviços de saúde; e por consistir também em uma manobra política em um ano de eleição. Ela destacou que, ao contrário do que esperava a política extremista que propôs o Projeto de Lei, houve uma indignação generalizada na sociedade em relação à medida. Além disso, segundo ela, a repercussão do PL 1904 trouxe uma importante reflexão para o debate sobre aborto no país: “É importante que a imaginação sobre quem é afetada por uma criminalização de uma necessidade de saúde seja um dos elementos fundamentais para uma tomada de decisões éticas que envolvem o tema. Temos que continuar essa forma de nos indignarmos e de ‘realizarmos’ sobre quem falamos na discussão pública sobre aborto, como fizemos no debate sobre o PL, que criminaliza mulheres, até 20 anos de cadeia, por fazerem um aborto de segundo trimestre, tão importante em casos de estupro”, defendeu.
Chamando a atenção para a importância de um estado laico, Debora também defendeu que o debate público sobre aborto não deve ser matéria de ‘contra ou a favor’ e precisa incluir a ciência. Segundo a antropóloga, embora as religiões precisem ser respeitadas, elas não devem determinar a vida pública e o bem comum. “Que tal trazermos dessas semanas intensas de aprendizado sobre esse brutal Projeto de Lei um exercício de reflexão e ponderação sobre como podemos falar e continuar o debate público sobre a urgência da descriminalização do aborto?”, propôs a antropóloga, frisando que, se o procedimento deixar de ser crime, o número de casos de interrupção de gravidez pode, inclusive, cair, conforme apontam estudos.
Debora destacou, ainda, que a discussão sobre a descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas demanda uma estrutura de justiça social reprodutiva, que inclui o debate sobre outras questões, como acesso a planejamento familiar, à informação, à redução de danos e à educação sexual.