‘E se essa criança se mata? Quem responde por esse crime?’: médico do primeiro serviço de aborto legal no país critica caso de menina de 13 anos de Goiás, impedida de interromper a gestação

23 de julho, 2024 Marie Claire Por Manuela Azenha

Ginecologista e obstetra Cristião Rosas, coordenador da Rede Médica pelo Direito de Decidir, defende a descriminalização do aborto e diz que a legislação braslileira sobre o tema é inconstitucional: ‘Mata as mulheres e não defende os fetos. Só causa sofrimento’

O ginecologista e obstetra Cristião Rosas foi um dos primeiros médicos do país a receber treinamento para realizar um aborto legal, no Hospital do Jabaquara, em São Paulo. Era 1989 e a então prefeita Luiza Erundina inaugurava o primeiro serviço do Brasil a oferecer o procedimento. De criação presbiteriana – o nome Cristião significa “aquele que é de Cristo”-, Rosas conta que sentia dificuldade em realizar o procedimento, até que uma menina de 12 anos chegou ao hospital, grávida após ser estuprada por dois homens.

“Essa menina me pegou no braço, me olhou nos olhos e falou: ‘Doutor, por favor, tira essa coisa de mim?’. Nesse momento, tudo se tornou tão claro para mim. É como se tivesse caído um raio na minha cabeça, aberto o meu cérebro e me iluminado”, relata Rosas, coordenador da Rede Médica pelo Direito de Decidir, grupo internacional de defesa dos cuidados em saúde sexual e reprodutiva, presente em 25 países.

30 anos depois, o caso de outra menina vítima de estupro, impedida pela Justiça de Goiás a realizar um aborto legal, ganha os noticiários. Grávida de 29 semanas aos 13 anos de idade, tenta interromper a gestação há quase três meses. O suspeito é um homem de 24 anos que, segundo reportagem do Intercept Brasil, é conhecido do pai da menina, com quem ela vive. Foi o pai, apoiado por grupos religiosos e antiaborto, quem pediu na Justiça que a interrupção fosse adiada para que o feto tivesse chance de sobreviver. De acordo com matéria da Folha de S.Paulo, a menina teria risco de cometer suicídio e considera fazer o procedimento de forma clandestina.

“Casos assim se repetem diariamente, esse se tornou público pelo absurdo total e completo da omissão do Estado, pela ação perversa das duas juízas, que infringem a própria lei. É uma criança em grau extremo de vulnerabilidade, numa situação de crueldade. Recebe um tratamento desumano e de tortura, ao ser forçada a manter uma gestação que desde as 18 semanas ela esboça vontade de interromper — o que há 84 anos é permitido pelo Código Penal brasileiro. E ainda é colocada em risco de vida. Não tenho nem como classificar uma situação dessas, é vergonhoso”, aponta Rosas.

A lei no Brasil considera estupro de vulnerável “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso” com menor de 14 anos. O aborto é autorizado legalmente em casos de estupro, sem limite gestacional.

A juíza Maria do Socorro de Sousa Afonso e Silva, titular do 1º Juizado da Infância e da Juventude de Goiânia, autorizou o aborto usando técnicas para preservar a vida do feto – na prática, uma tentativa de parto antecipado. A segunda decisão, da desembargadora Doraci Lamar Rosa da Silva Andrade, do Tribunal de Justiça de Goiás, suspendeu qualquer interrupção. No dia 12 deste mês, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que a juíza e a desembargadora prestem informações sobre o caso.

“É preciso dar um basta. Se não, realmente não estamos mais em um Estado democrático de Direito. E se essa criança se mata? E se ela morrer no parto? Quem responde por esse crime? Precisa de agilidade para criar uma jurisprudência e barrar essas questões de forma mais contundente”, defende o médico.

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