“Você conhece uma mulher que já sofreu violência doméstica?”: resultados da vitimização indireta de mulheres no Brasil

32995943210_b4012d9e33_o

Foto: Mídia Ninja

04 de setembro, 2024 Fonte Segura Por Isabella Matosinhos

É fundamental realizar o mapeamento das vítimas da violência contra a mulher, visto que esse diagnóstico contribui para tornar mais completo o entendimento do complexo cenário que cerca esse gravíssimo problema brasileiro

A violência contra a mulher, em suas diversas formas, é um fenômeno crescente no Brasil. Os dados mais recentes evidenciam isso: todas as formas de violência contra a mulher aumentaram em 2023, segundo registros oficiais provenientes das Secretarias de Segurança Pública e das Polícias Civis estaduais (FBSP, 2024[1]). E os dados seguem alarmantes mesmo quando a perspectiva é outra: deixando de lado se as pessoas que vivenciaram a violência registraram ou não a ocorrência, os dados da pesquisa de vitimização produzida em parceria pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) pela Folha de S. Paulo junto ao Instituto Datafolha em 2024 indicam que os níveis de violência contra a mulher são altos, independentemente do registro ou não junto à polícia.

Nesse contexto, este texto analisa a prevalência da violência doméstica na população. Como resultado, temos que 26,8% da população brasileira conhece uma mulher que foi vítima de violência doméstica cometida por parceiro íntimo (namorado, companheiro, ex) nos últimos 12 meses. Entre aquelas pessoas que responderam afirmativamente, 60,6% são mulheres e 39,4%, homens.

Antes, entretanto, de analisar mais detidamente estes resultados, é importante entender a construção dessa pergunta. Um dos principais aspectos que pesquisas de vitimização buscam medir é a frequência com que as pessoas são vítimas de diferentes crimes dentro de um determinado período. Um dos objetivos é obter um retrato da ocorrência de crimes, muitas vezes complementando dados oficiais que costumeiramente não conseguem captar com precisão todas as ocorrências, especialmente aquelas que não chegam ao conhecimento das autoridades. É uma forma de tentar suprir a subnotificação que permeia as estatísticas oficiais de criminalidade vindas das Polícias Civis e Secretarias de Segurança Pública.

No âmbito das pesquisas de vitimização, os entrevistados são geralmente perguntados diretamente sobre suas experiências pessoais. É a chamada vitimização direta. Para além desse tipo de abordagem, entretanto, existe a chamada vitimização vicária, ou indireta, que aparece quando o respondente afirma conhecer alguém – um terceiro – que passou pela situação em questão. São casos em que um indivíduo é exposto indiretamente ao crime por meio de relatos interpessoais, o que pode, no limite, impactar sua percepção de risco e de medo sobre um determinado tipo de violência (Caminhas, 2010[2]). Quando perguntados se “alguma mulher que você conhece sofreu violência doméstica por parte do parceiro íntimo (como namorado, marido, companheiro ou ex), nos últimos 12 meses?”, a pesquisa insta os entrevistados a responderem sobre vitimização vicária.

Esse tipo de pergunta é importante por várias razões. Especialmente no caso da violência doméstica, muitas vezes as vítimas diretas podem não estar dispostas ou não se sentir confortáveis para relatar sua própria vitimização. Assim, relatos de terceiros podem ajudar a revelar casos que, de outra forma, ficariam ocultos. Além disso, a vitimização vicária é importante porque permite obter uma visão mais ampla da extensão do problema, uma vez que o conhecimento de casos de violência por terceiros pode influenciar a percepção de segurança e bem-estar de comunidades inteiras.

Em relação ao perfil dos respondentes que informaram conhecer uma mulher que sofreu violência doméstica por parceiro íntimo nos últimos 12 meses, a prevalência diminui conforme a idade aumenta. O principal grupo etário, que responde por 46,9% dos respondentes, é de jovens entre 16 a 34 anos de idade. De outro lado, o grupo menos representativo (9,9%) é das pessoas com 60 anos ou mais.

Em termos de cor da pele, a prevalência é de respostas afirmativas vindas de pessoas negras (63,3%), em comparação com brancas (30,2%) e demais raças/cores (6,5%). Uma vez mais, este é um perfil que acompanha a violência no Brasil como um todo. Significa, em outras palavras, que pessoas negras parecem estar mais vulneráveis à violência.

Em termos de estudo formal, o perfil de escolaridade indica que a prevalência é maior entre pessoas com ensino médio completo (36,8%). Em segundo lugar estão as pessoas com escolaridade até o ensino médio incompleto (agregação de todos que nunca estudaram ou que, no máximo, estudaram até o ensino médio incompleto[3]) (34,6%). Quando essa categoria é desagregada, vemos que 12,4% das respostas são de pessoas que pararam de estudar entre o ensino fundamental e o médio, tendo completado o primeiro ciclo – fundamental –, sem, no entanto, terem concluído o ensino médio. Essa proporção é exatamente a mesma do grupo com ensino superior completo, cada um deles correspondendo a 12,4% das respostas.

Esse dado é interessante porque revela que pessoas com diferentes níveis de escolaridade, incluindo ensino superior completo, estão cientes de casos de violência doméstica em suas redes. Indica também que o problema é transversal e não se limita a segmentos menos privilegiados ou a pessoas com menor escolaridade. Em outras palavras, a violência doméstica afeta mulheres em todas as camadas sociais, rompendo com a ideia equivocada de que é um problema restrito a contextos de pobreza ou falta de educação. Esses contextos aumentam o grau de complexidade do problema e seu enfrentamento, mas não definem o fenômeno, que é mais amplo.

Para a renda familiar, a prevalência é de pessoas cuja renda familiar vai de 0 até 3 salários mínimos (67,1%). Olhando para cada faixa de renda separadamente, a faixa de 1 a 2 salários mínimos concentra 27,8% dos respondentes. De outro lado, pessoas com rendas familiares mais altas (mais de 10 salários mínimos) representam 2,6% do total. Neste ponto, vale ressaltar que 10,4% dos respondentes têm renda familiar de 3 a 5 salários mínimos, o que, uma vez mais, reforça a ocorrência da violência contra a mulher em diversos estratos sociais.

Do total de pessoas que responderam conhecer mulheres em situação de violência doméstica nos últimos 12 meses, 79,9% se enquadram como População Economicamente Ativa (PEA) e 20,1% como não-PEA. Por fim, em termos de parentalidade, a prevalência é maior entre pessoas com filhos (60,1%).

Acesse a matéria no site de origem.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas