As mulheres têm sido, consistentemente, a maior barreira de contenção contra a extrema direita no Brasil e no mundo.
Nas duas eleições presidenciais em que Bolsonaro concorreu, as mulheres — e principalmente as mulheres negras — foram a principal oposição. Muitos acreditaram que isso se devia exclusivamente ao Bolsa Família, recebido diretamente pelas mulheres. Não é errado afirmar que o benefício social é uma parte importantíssima desse fenômeno político, mas ele não explica, por exemplo, as eleições municipais. A última pesquisa do Datafolha aponta uma “rejeição galopante” à figura de Marçal entre 53% das mulheres.
A rejeição ao conservadorismo e ao autoritarismo é um fenômeno global. Dados recentes, levantados pelo grupo Gallup e publicados no New York Times, mostram que, em 2001, homens e mulheres jovens nos Estados Unidos tinham preferências políticas semelhantes, ambos relativamente mais progressistas. A partir de Trump em 2016, mulheres de 19 a 29 anos começaram a se tornar cada vez mais progressistas; os homens, por outro lado, cada vez mais conservadores.
As mulheres rejeitam cada vez mais Trump por várias razões: as crescentes denúncias de assédio sexual no país, os ataques misóginos a Hillary Clinton e, mais recentemente, o retrocesso do caso Roe vs. Wade, que retirou a garantia constitucional do direito ao aborto. Do outro lado da moeda, o mesmo jornal americano mostrou que, pela primeira vez, pesquisas indicam uma inversão de tendências: os homens estão se tornando mais religiosos do que as mulheres naquele país.
Se na coluna passada escrevi sobre o recrudescimento do conservadorismo, o outro lado da moeda é que o feminismo, paralelamente, é a maior força política do século 21, tanto em termos de capilaridade quanto em termos de poder de influência, se contrapondo à expansão da extrema direita no mundo.
Existe uma tendência à clivagem de gênero na chamada “polarização”. Mulheres, historicamente silenciadas, assediadas e assassinadas, buscam autonomia — e elas não voltarão atrás. Enquanto isso, o patriarcado tenta se manter como força hegemônica. Em certo desespero, busca cada vez mais no fundamentalismo religioso e político a violência necessária para manter o poder.
Não é à toa que, quanto mais a campanha de Marçal escala em assédios, ataques e violência, mais as mulheres o rejeitam. Todas as tentativas do candidato de reverter isso superficialmente são frustradas porque a dor da violência de gênero é algo que as mulheres sentem na alma e na pele, por mais clichê que essa frase soe.
Digo isso porque, em todos esses anos estudando o avanço do conservadorismo e do autoritarismo entre as “pessoas comuns”, aprendi com tantas mulheres, especialmente negras e periféricas, que a muitas delas, ao contrário das mulheres brancas e de classe média, às vezes não conseguem — ou não querem — nomear as razões pelas quais repudiam figuras como Bolsonaro ou Marçal. É comum ouvir: “É algo que sinto, não sei explicar”.
Mas é claro que elas sabem.