Editorial: Estigma e criminalização do aborto impedem debate qualificado no Brasil, por Aline Gatto Boueri e Diego Nunes da Rocha

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Foto: Freepik

26 de setembro, 2024 Gênero e Número Por Aline Gatto Boueri e Diego Nunes da Rocha

No Brasil, o aborto é permitido em três casos: estupro, risco à vida da gestante e anencefalia do feto. De acordo com o artigo 217-A do Código Penal, “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos” é considerado estupro de vulnerável. Logo, a interrupção da gestação é um direito de todas as crianças vítimas desse tipo de crime.

No entanto, em 2023, 319 menores de 14 anos foram hospitalizadas no sistema público de saúde para tratar algum tipo de aborto. Destas, apenas 86 realizaram o procedimento por razões médicas e legais. Os dados são do Sistema de Informações Hospitalares (SIH-SUS), que usa a variável sexo (homens/mulheres) e não disponibiliza estatísticas relacionadas à identidade de gênero das pacientes.

Outras 48 meninas só chegaram ao sistema de saúde depois de iniciarem o procedimento. Seus casos foram registrados como falha na tentativa de aborto, categoria utilizada quando a internação acontece para a conclusão da interrupção da gravidez. Crianças negras representam uma de cada quatro das 135 hospitalizações desse tipo no SUS, considerando também adolescentes e adultas de todas as raças.

O número pode parecer baixo comparado com as mais de 151 mil internações por aborto no ano passado, mas é alto se considerarmos que a chegada dessas 48 meninas aos hospitais da rede pública com um aborto incompleto é uma evidência de que o Estado brasileiro falhou em protegê-las e falhou em repará-las.

As 135 internações por falha na tentativa de aborto também são um número alto quando pensamos que a descriminalização e a legalização do procedimento poderiam zerar as hospitalizações desse tipo se pessoas gestantes tivessem seus direitos reprodutivos respeitados integralmente no Brasil.

É preciso lembrar ainda que o medo de uma denúncia, de maus tratos ou de negligência no atendimento impede quem procura o hospital de relatar que buscou ajuda médica em meio a uma interrupção voluntária da gravidez.

Assim, abortos voluntários que começam fora do sistema de saúde podem ser registrados em outras categorias, como aborto espontâneo ou aborto não especificado. Quando olhamos para elas, mulheres e crianças negras – que compõem 55% da população feminina brasileira – também estão sobrerrepresentadas.

Quase metade (67.243) das mulheres que procuraram o SUS por um aborto em 2023 tiveram seus casos registrados como aborto espontâneo. Nesta categoria, 71% são negras. Outras 17.494 hospitalizações foram registradas como aborto não especificado e 67% delas são de mulheres negras.

Já os abortos por razões médicas e legais representam somente 2% dos procedimentos realizados no sistema público hospitalar e em 67% dos casos as pacientes são negras. Entre crianças, das 86 meninas que interromperam a gestação de forma legal, 76 são negras.

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