Violência online também atinge candidatas no interior do Brasil

07 de outubro, 2024 AzMina Por Gabi Coelho

MonitorA analisou mais de 5 mil comentários em debates eleitorais em Regiões Metropolitanas e cidades do interior do Brasil

Enquanto as capitais do Brasil monopolizam a atenção nas campanhas eleitorais, uma realidade preocupante se repete nas regiões metropolitanas e no interior: a violência política de gênero online. Foi o que encontramos analisando 5.988 comentários de eleitores nas transmissões no YouTube de debates promovidos por emissoras de TV e rádio em 25 cidades de quatro regiões do Brasil, entre os dias 10 de agosto e 17 de setembro de 2024.

Nas interações analisadas, são abundantes os discursos ofensivos, desqualificadores e misóginos. Essa realidade reflete tanto as desigualdades de gênero persistentes no espaço público quanto a hostilidade enfrentada por mulheres candidatas. A análise faz parte da terceira edição do MonitorA. O observatório de violência política de gênero online desenvolvido pelo Instituto AzMina, InternetLab, Núcleo Jornalismo e Laboratório de Humanidades Digitais da Universidade Federal da Bahia.

Cenário muda por regiões

O MonitorA analisou debates realizados nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. A região Norte carece de dados, reforçando o impacto do fenômeno dos desertos de notícias – cidades onde não há cobertura jornalística local, ou ‘quase desertos’, onde há apenas um ou dois veículos de imprensa. Mesmo nos locais em que a reportagem localizou a transmissão de debates ou sabatinas, havia pouca ou nenhuma participação da audiência nos comentários.

Entre as regiões analisadas, o Sudeste tem a maior proporção de comentários, concentrando 48,3% do total, seguido pelo Nordeste com 28,94%, Sul com 20,07% e Centro-Oeste com 2,69%. Esses percentuais referem-se ao volume geral de participação com comentários, e não exclusivamente à incidência de ataques. Aalguns usuários realizam mais de uma agressão dentro de um mesmo comentário, o que pode aumentar a intensidade de violência verbal em certas regiões.

A cada edição, o MonitorA classifica milhares de conteúdos potencialmente ofensivos dirigidos a candidatas em redes sociais, e quando os identifica, diferencia o que é insulto ou ataque. Os insultos são expressões desagradáveis e até inadequadas, mas que fazem parte do jogo político no limite da liberdade de expressão. Já os ataques usam atributos e marcadores sociais das candidatas para inferiorizá-las, podendo se manifestar através da infantilização, misoginia, racismo, transfobia, assédio e incitação à violência, entre outros, com recomendação para exclusão das redes. – Link para a matéria: https://azmina.com.br/reportagens/violencia-online-tambem-candidatas-no-interior-do-brasil/ – Violência online atinge candidatas no interior do Brasil

Os dados do MonitorA indicam que, tanto em regiões metropolitanas quanto em cidades do interior, o discurso violento é uma realidade. Embora os comentários ofensivos não mirem só as mulheres, eles refletem um sinal claro de violência no debate político em geral. Santos (SP) liderou o maior volume de comentários potencialmente ofensivos, com 11,27% (675 ocorrências), seguida por Assú (RN), com 9,27% (555 ocorrências), e Piracicaba (SP), com 6,60% (395 ocorrências). Olinda (PE) teve 6,26% (375 ocorrências), São João de Meriti (RJ), 5,8% (328 ocorrências), Santo André (SP), com 5,44% (326 ocorrências) e Santa Cruz do Capibaribe (PE), com 5,29% (317 ocorrências). Esses números referem-se ao total de comentários analisados, e não exclusivamente a ataques diretos.

Enquanto o Sudeste concentra quase metade dos ataques registrados, o Centro-Oeste apresenta números bem mais baixos. Questões como o desenvolvimento econômico e o nível de engajamento político parecem influenciar essa diferença. Sobre isso, Michelle Ferreti, Diretora de Pesquisa do Instituto Alziras, explica: “A violência política de gênero está presente de maneira muito intensa em diferentes cidades e regiões. Alguns estudos já mostraram que a cobertura dos meios de comunicação acaba sendo mais intensa nas regiões que concentram mais riqueza e nas cidades de maior porte e, por isso, a visibilidade pública dos episódios de violência política de gênero acaba sendo um pouco maior nessas localidades”.

Como as ofensas se dividem

As mulheres candidatas foram alvo de 43,95% das mensagens ofensivas – somando insultos e ataques –, em contraste com os homens candidatos, com  23,60%. Não foi possível identificar a quem miravam 17,43% dos comentários agressivos.

Samara Castro, Diretora de Promoção da Liberdade de Expressão da Secretaria de Políticas Digitais (SPDIGI/SECOM), comenta como os ataques estimulam a subrepresentação das mulheres na política. “Esse tipo de ofensa ou ataque tem duas dimensões. A primeira é individual, na maneira como ela se enxerga e consegue lidar com esses ataques. Por mais que tenhamos pessoas experientes que sabem como funciona essa política agressiva, isso afeta a saúde mental dessas candidatas”.

Ela explica que a segunda dimensão está atrelada à coletividade e competitividade: “Quando esses ataques são frequentes, a campanha precisa decidir se vai lidar com eles ou ignorá-los”. Como advogada eleitoral, Samara já precisou lidar com esses ataques e afirma que é um dos fatores que mais afasta as mulheres da política institucional, pois transfere os esforços de campanha da conquista de votos para a defesa das agressões.

Mesmo considerando todos os ataques contra homens e mulheres, a misoginia tem destaque, representando 19,58% de todos os ataques. Outros tipos de violência incluíram inferiorização, que foi o mais comum (24,41%), seguida por sentimentos de nojo (17,10%) e descrédito intelectual (10,90%). Além disso, os insultos representam 24,68% das interações, e os ataques diretos, 13,48%.

Vergonha, piada e lixo

Os termos mais recorrentes em todos os comentários comprovados revelam, em muitos casos, uma tentativa de desqualificação e ataque a candidaturas. A palavra “mulher” apareceu em 1.251 comentários, frequentemente seguida de termos como “vergonha” (701 ocorrências), “piada” (268) e “lixo” (197).

Carolina Gonzalez, doutora em Linguística e consultora no MonitorA, reflete sobre a alta recorrência desses termos e sua função desqualificadora no debate público. “Expressões como ‘mulherzinha’ ou questionamentos sobre ser ‘uma mulher de verdade’ são qualificadores para validar ou invalidar a pessoa. Com essa alta recorrência, estamos entrando em um espaço historicamente negado às mulheres, e esse discurso tenta nos relegar ao lugar de ‘outro’.”

Algumas cidades se destacaram pelo uso frequente de termos ofensivos contra candidatas mulheres. Em Santos, a palavra “mentirosa” foi registrada 95 vezes, enquanto “nojo” aparece 25 vezes. Na cidade de Olinda, o termo “marionete” foi utilizado 93 vezes, e em Assú, “mentirosa” apareceu 19 vezes.

Michelle Ferreti, Diretora de Pesquisa do Instituto Alziras, alerta para as implicações psicológicas e políticas às candidatas vítimas violência política de gênero e raça, que empobrece a sociedade e a própria democracia. “Esse padrão normaliza e torna socialmente aceitável a violência e a misoginia contra todas as mulheres. O que acontece na política ajuda a moldar padrões de comportamento na sociedade”, analisa.

Raquel Branquinho, Procuradora da União e diretora-geral da Escola Superior do Ministério Público da União, complementa lembrando que os ataques podem influenciar diretamente a percepção pública da competência feminina, especialmente quando envolvem inferiorização e misoginia, indicando que  a mulher é incapaz de desenvolver tarefas políticas. “Esses ataques criam uma percepção de inferioridade, seja intelectual, seja de gestão, que afasta as mulheres de espaços de decisão.”

Alvos mais frequentes de ataques

O recorte de gênero da violência política se evidencia nos ataques dirigidos a mulheres candidatas: foram 733 insultos e 462 ataques contra elas. Os candidatos homens, por outro lado, enfrentaram 417 insultos e 105 ataques.

Os ataques nos debates eleitorais assumem diversas formas, desde misoginia e inferiorização até preconceitos como homofobia, racismo, capacitismo e xenofobia. As candidatas foram frequentemente chamadas de “mentirosas”, “fracas” ou “despreparadas”, além de receberem  ofensas relacionadas à aparência física e à faixa etária, como “nojenta” e “velha”, reforçando estereótipos de gênero.

Sobre como as instituições estão respondendo a esses ataques, Raquel Branquinho afirma que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Ministério Público Eleitoral trabalham nesse enfrentamento, envolvendo inclusive a polícia. “O TSE e o Ministério Público Eleitoral precisam entender o contexto de violência patriarcal em todas as esferas da vida das mulheres, como a violência psicológica, moral, física e simbólica. Essas agressões criam descrédito até mesmo perante o eleitorado, dificultando o livre exercício do mandato pelas mulheres eleitas”, analisa.

A jurista reforça a necessidade de capacitação do sistema de Justiça para uma perspectiva de gênero, como no protocolo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em fevereiro de 2021. Outro ponto relevante é a subnotificação dos casos do tipo. O Monitor da Violência Política de Gênero e Raça, do Instituto Alziras mostra que, nas ações penais eleitorais de violência política de gênero ajuizadas até janeiro de 2024, 100% são mulheres com mandato, 53% brancas. Isso  indica que mulheres candidatas, particularmente as negras e indígenas, seguem enfrentando barreiras de acesso à justiça.

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