DF recebeu 863 pedidos para realização de aborto legal entre 2020 e setembro de 2024, mas 191 solicitações foram negadas durante o período
O Programa de Interrupção Gestacional Previsto em Lei (PIGL), que atende mulheres vítimas de violência sexual, recebeu 863 pedidos para realização de aborto legal no Distrito Federal entre 2020 e setembro deste ano. No entanto, 191 solicitações foram recusadas. As negativas tiveram os seguintes motivos, segundo documento obtido via Lei de Acesso à Informação:
Conforme o Metrópoles revelou, o DF negou ao menos 22 pedidos de aborto legal sob o argumento de que o tempo da gravidez era superior a 22 semanas. No entanto, isso contraria a legislação brasileira, que não estabelece tempo máximo para o procedimento.
Essas gestações – todas decorrentes de violência sexual – não foram interrompidas, pois a Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) se baseou em uma norma técnica do Ministério da Saúde publicada em 2012. Assim, a interpretação do documento, que não tem força de lei, impediu o acesso ao aborto legal a pessoas com mais de 22 semanas de gravidez.
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal informou, por um lado, que se fundamenta na Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento (2011), do Ministério da Saúde, mas, por outro, ampara-se no Código Penal e na Constituição Federal para provimento dos serviços de interrupção gestacional previstos em lei.
Ainda segundo a pasta, no processo de acolhimento, as vítimas de estupro são orientadas quanto a todas as alternativas legais diante de uma gestação decorrente de violência sexual: interrupção – aborto; manutenção da gravidez; e prosseguimento para entrega legal do recém-nascido à adoção assistida.
Contudo, no caso de pessoas com gestação acima de 22 semanas, as orientações da secretaria são mais específicas e não direcionam as vítimas para o procedimento de aborto legal, “tendo em vista a necessidade de embasamento em nota técnica vigente”. Quem procura a rede nessa situação, portanto, recebe informações apenas sobre as possibilidades de manutenção da gravidez e de entrega supervisionada à adoção.
“Em ambos os casos, a paciente é direcionada ao pré-natal e, optando pela entrega legal, apoiada nos trâmites necessários. Assim como a rede de atenção à saúde é informada sobre a decisão para condução adequada e respeitosa aos cuidados pré-natais”, comunicou a SES-DF. A resposta completa da pasta pode ser lida no fim do texto.
Questionado quanto ao previsto na norma técnica mencionada, o Ministério da Saúde respondeu que qualquer documento elaborado ou revisado pelo órgão acerca do tema segue os preceitos éticos, as evidências científicas e respeita os marcos legais brasileiros.
A pasta federal ressaltou que as condutas estipuladas em questões de saúde pública estão em conformidade com as recomendações das organizações Mundial (OMS) e Pan-Americana da área (Opas). O ministério acrescentou, porém, que a revisão e atualização de atos normativos são medidas necessárias e fazem parte das atribuições do órgão, como autoridade sanitária. Também lembrou que o tema do aborto legal é discutido no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Outros motivos
O Programa de Interrupção Gestacional Previsto em Lei não dispõe de informações relacionadas a períodos anteriores, segundo a Secretaria de Saúde. “A sistematização interna desses dados se tornou de iniciativa própria da equipe [do PIGL] a partir de 2020, pois a SES-DF ainda não conta com aba de Sala de Situação dedicada a esse serviço”, argumentou a pasta.
Em relação à justificativa “gestação de relação consentida ou incompatível com a data da violência”, a secretaria negou 48 pedidos sob essa alegação.
No entanto, vale lembrar que a Lei Federal nº 12.845/2013 garante o atendimento integral às pessoas em situação de violência sexual e que a Norma Técnica de Atenção Humanizada às Pessoas em Situação de Violência Sexual com Registro de Informações e Coleta de Vestígios, do Ministério da Saúde, prevê o atendimento às vítimas sem exigência de registro de boletim de ocorrência – inclusive para casos de interrupção da gravidez.