Estudo aponta que adolescentes, mulheres negras e usuárias do SUS com menor escolaridade enfrentam risco de sofrer violência obstétrica
“Eu fui mãe na adolescência, aos 16 anos, e meu filho, Jonathan, faleceu meses após nascer. No parto, em um hospital público, eu sofri violência obstétrica, algo que afeta tantas mulheres negras”, relata Adriana Arcebispo, assistente social e escritora, que compartilha o cotidiano de sua família nas redes sociais.
A influenciadora, que é esposa de Josimar Silveira, e mãe de Akins, de 13 anos, e Dandara, de nove, compartilhou o caso de racismo obstétrico sofrido por ela durante o evento “Mães e crianças negras: sementes de comunidades vivas”, ocorrido em agosto de 2023.
“Fui humilhada, amarrada e tratada como se minha presença ali fosse um incômodo. O Jonathan também teve seus direitos violados ao não nascer em um ambiente acolhedor e protegido. Essa história é dele também e fala sobre as violências que nós, enquanto mães e crianças negras, vivemos desde o nascimento”, recorda a influenciadora, que tem mais de 120 mil seguidores no perfil Família Quilombo, no Instagram.
A violência vivida pela escritora é uma realidade para muitas outras mulheres negras no país. Dados preliminares do estudo “Nascer no Brasil 2“, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com base em informações de mais de 24 mil mulheres entre 2020 e 2023, em 465 maternidades do país, indicam que adolescentes, mulheres negras com mais de 35 anos, usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) e com menor escolaridade enfrentam maior risco de sofrer violência obstétrica.
Em entrevista à Alma Preta, Adriana deixa uma mensagem para todas as pessoas negras que gestam. “Somos vítimas de uma sociedade que nos violenta desde o nosso nascimento até o nascimento de quem parimos, mas na tentativa de roubar nossa vida e nossa esperança falharão miseravelmente! Nossos passos vêm de longe — a gente resiste, denuncia, grita, se aquilomba e marcha. Você não está só!.”
Raça influencia no tratamento recebido na maternidade
A Organização Mundial da Saúde (OMS) descreve a violência obstétrica como a imposição do controle sobre o corpo e os direitos reprodutivos da mulher pelos profissionais de saúde, por meio de práticas desrespeitosas e desumanas.
Segundo a OMS, esse tipo de violência pode envolver a administração excessiva de medicamentos, desconsiderando a autonomia da paciente e sua capacidade de fazer escolhas informadas.
O artigo “Relação entre iniquidade racial e violência obstétrica no parto”, publicado na Revista Científica da Escola Estadual de Saúde Pública de Goiás, investiga a relação entre a desigualdade racial e a violência obstétrica no atendimento ao parto.
Os autores afirmam que a etnia de pacientes afeta de maneira expressiva o tipo de atendimento oferecido nas maternidades. As mulheres negras estão mais sujeitas a intervenções como a manobra de Kristeller, amniotomia precoce e restrições alimentares durante o trabalho de parto, enquanto têm menos acesso a práticas humanizadas, como o contato pele a pele e métodos não farmacológicos para alívio da dor.
A manobra de Kristeller é considerada controversa e perigosa por várias organizações de saúde e profissionais da área obstétrica, incluindo a OMS, a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) e o Conselho Federal de Medicina (CFM).
Esses órgãos e especialistas alertam sobre os riscos associados à técnica, como a possibilidade de lesões ao feto, ao útero e à mãe, além do risco de causar complicações como ruptura uterina e hemorragias.
O estudo conclui que o racismo estrutural influencia a assistência obstétrica, destacando a urgência de políticas públicas que possam mitigar essas desigualdades e assegurar um atendimento de saúde mais justo e inclusivo.