Proposta dos ex-deputados Eduardo Cunha (RJ) e João Campos (GO) proíbe o aborto até nos casos que é legalizado atualmente.
A aprovação da admissibilidade da Proposta de Emenda Constitucional 164/12 pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados representa um preocupante retrocesso nos direitos fundamentais das meninas, mulheres e pessoas que gestam no Brasil.
Ao estabelecer que a inviolabilidade do direito à vida deve ser garantida desde a concepção, essa proposta ignora conquistas históricas e afronta os princípios da dignidade humana, da autonomia e da igualdade, pilares centrais de qualquer sociedade que se pretenda democrática.
O texto proposto não apenas restringe os direitos reprodutivos, mas também desconsidera a complexidade das situações que envolvem o aborto, muitas vezes marcadas por sofrimento extremo e contextos de violência. Ao negar o direito à interrupção da gravidez em casos de estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia, a PEC submete pessoas que gestam a uma violência institucionalizada, transformando o Estado em agente de opressão.
O argumento da relatora, Chris Tonietto (PL/RJ), de que o início da vida desde a concepção é um “fato científico” carece de embasamento. A ciência reconhece que o início da vida é uma questão que transcende a biologia, envolvendo reflexões éticas, sociais e filosóficas. Reduzir essa discussão a uma visão moralista é incompatível com a pluralidade de um Estado laico. Além disso, a aprovação da proposta inviabilizaria pesquisas científicas fundamentais, como as relacionadas a células-tronco, e colocaria o Brasil na contramão do progresso científico global.
A PEC 164/12 afronta diretamente os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como os previstos na Convenção de Belém do Pará e na Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres (CEDAW), que garantem o direito à saúde, à liberdade e a vida livre de violência. Ao proibir o aborto em qualquer circunstância, a proposta desconsidera que países com legislações mais restritivas têm índices alarmantes de abortos inseguros, que resultam em mortes evitáveis de milhares de meninas, mulheres e pessoas que gestam, especialmente entre as mais pobres.
Proteger a vida não pode significar negar os direitos e a dignidade. Não se constrói uma sociedade justa ignorando a realidade de milhões de brasileiras que enfrentam escolhas impossíveis.