Propostas legislativas que restringem aborto previstos em lei são ‘aberrações legais’, diz artigo

05 de dezembro, 2024 Folha de S. Paulo Por Cláudia Collucci

Dirigentes de serviços dizem que projetos representam retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos e põem mulheres e meninas em perigo

Em artigo pulicado em revista científica internacional, responsáveis por nove serviços de aborto legal em todo o Brasil se opõem a propostas do Legislativo de restringir as interrupções de gravidez já previstas em lei e as classificam de “aberração legal”.

No último dia 27, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou a admissibilidade de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que coloca a “inviolabilidade da vida desde a concepção” no texto constitucional, o que, na prática, acaba com todas as previsões de aborto legal no país.

Outra proposta, o projeto de lei 1904/2024, busca proibir abortos realizados após 22 semanas de gestação e impõe medidas severas, incluindo até 20 anos de prisão para mulheres que procurarem aborto após estupro.

No artigo, publicado na revista da Figo (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia), os autores argumentam que as propostas entram em conflito com diretrizes internacionais, representam retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos e põem em perigo o bem-estar físico e mental de mulheres e meninas.

O Brasil é signatário de vários acordos internacionais, entre eles o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre os Direitos da Criança, que obrigam os Estados membros a proteger os indivíduos dos riscos físicos e mentais associados aos abortos inseguros.

Eles também exigem esforços para reduzir a mortalidade materna, que inclui a prevenção de práticas de aborto inseguro entre meninas e adolescentes.

O artigo lembra que o quadro legislativo brasileiro sobre o aborto já é restritivo, permitindo o procedimento apenas em circunstâncias específicas: gravidezes resultantes de violência sexual, situações que representem risco para a vida da mãe, ou casos de anencefalia.

Na América Latina, países como a Argentina e o Uruguai têm legislações menos restritivas, com o aborto sendo permitido em qualquer circunstância antes de 14 semanas.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) não especifica um período gestacional limite de idade para procedimentos de aborto, e a legislação brasileira vigente também não estabelece nenhum limite baseado na idade gestacional.

Segundo os autores, contrariamente aos supostos objetivos de proteger a vida, as legislações propostas agravam as vulnerabilidades existentes e afetam desproporcionalmente as mulheres que mais necessitam de apoio médico e social.

“Efetivamente revogam os direitos das mulheres, adolescentes e meninas vítimas de violência sexual, submetendo-as a mais violência cruel.”

No Brasil, o acesso a serviços de aborto seguro e oportuno é prejudicado por barreiras sistêmicas no sistema de saúde, mesmo naquelas situações em que as mulheres têm o direito assegurado por lei.

“Essa realidade afeta desproporcionalmente os grupos marginalizados, como mulheres negras, empobrecidas e muito jovens, muitas das quais são vítimas de abuso crônico e intrafamiliar.”

Os autores também pontuam que as mulheres e adolescentes que procuram o aborto em idades gestacionais mais avançadas, em geral, tiveram negado o acesso anterior aos cuidados. Apenas 3,6% dos municípios brasileiros oferecem serviços de aborto legal.

Eles afirmam que essas mulheres são as que mais necessitam de apoio e proteção social devido à natureza violenta de suas gravidezes e enfrentam riscos sociais e clínicos significativos se forem forçadas a continuar uma gravidez indesejada. “Esses riscos incluem potenciais danos psicológicos e físicos e, em casos extremos, morte prematura.”

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