A pauta dos direitos reprodutivos são centrais para os ultraconservadores. Por que ainda não para a esquerda?
O Brasil tem assistido a um aumento da ofensiva contra direitos reprodutivos no Congresso nos últimos meses.
O Projeto de Lei 1904/2024 que pretende equiparar o aborto feito após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples no Código Penal brasileiro pode ser votado no Plenário da Câmara sem passar por comissões.
Vale lembrar que no Brasil, o aborto é permitido apenas em casos de risco de morte para a gestante, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal, não importando o tempo gestacional.
Em qualquer outro caso, a gestante que realiza um aborto pode ser condenada a uma pena de prisão de até 3 anos. Quem ajuda — familiar, profissional de saúde, amiga — pode ser condenado a até 4 anos de prisão.
O projeto, de autoria do deputado membro da Bancada Evangélica Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), ficou conhecido como “PL da gravidez infantil” e “PL do estupro” porque tiraria o direito de crianças e mulheres que engravidam em decorrência de estupro a não seguirem a gestação.
A grande maioria dos casos em que a descoberta gestacional é tardia, se dá em crianças estupradas (geralmente por pais ou familiares) que não sabem identificar o que está acontecendo com o próprio corpo.
Ainda mais perigosa é a Proposta de Emenda Constitucional 164/2012, que recentemente passou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. A PEC de autoria dos ex-deputados João Campos (PSDB-GO) e Eduardo Cunha (MDB-RJ), este último cassado em 2016, quando estava na presidência da Câmara, quer alterar o artigo 5o da Constituição, para determinar que determinar que a inviolabilidade do direito à vida se aplica desde a concepção.
Neste caso, o aborto estaria proibido em qualquer circunstância, mesmo nos casos permitidos por lei. Ou seja: uma criança de 11 anos que é estuprada por um parente e engravida, teria que seguir com a gestação até o fim.
As ofensivas têm gerado uma série de protestos pelo país, como as campanhas “Criança não é mãe” e “Nem presa nem morta” criada por organizações feministas.
Mas esse não é um fenômeno isolado. Há tempos que as questões de gênero e os direitos reprodutivos são temas centrais para a extrema direita e para organizações ultraconservadoras em todo o mundo.
No último encontro da organização transnacional ultraconservadora Political Network for Values no Senado em Madrid, sobre o qual escrevi na minha última coluna, os assuntos centrais eram os mesmos.
Ali, parlamentares e influenciadores de todo o mundo se reuniram em torno de dois principais objetivos: Acabar com o direito ao aborto em seus países – e para isso pensavam estratégias, projetos de leis, exemplos do que funciona e do que não funciona – e acabar com direitos LGBTQIAP+.
Enquanto isso, movimentos feministas, pesquisadores e especialistas lutam para que estes temas sejam vistos como urgentes e interseccionais para a esquerda, que em sua maioria ainda vê estas como questões minoritárias ou que “atrapalham outras pautas mais importantes”.