No Brasil, 55% das gestações não são planejadas, conforme pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz
Engravidar sem ter desejado filhos é mais comum do que se imagina. No mundo, 121 milhões de casos de gravidezes não intencionais foram registrados por ano, entre 2015 e 2019, segundo o relatório “O Estado da População Mundial”, da Organização das Nações Unidas (ONU), publicado em 2022. Do total, 60% dessas gestações foram interrompidas.
No Brasil, 55% das gestações não são planejadas, conforme mostra uma pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz. Essas gestações indesejadas estão relacionadas aos mais de 500 mil abortos clandestinos são realizados todos os anos no Brasil, como mostra a Pesquisa Nacional do Aborto.
A gravidez não planejada pode ser desejada ou não. A pessoa pode se descobrir grávida após decidir que quer ter filhos, mas a gravidez também pode acontecer quando a pessoa não quer ou não pode levar adiante aquela gravidez.
Contracepção não é responsabilidade de só uma pessoa
Se as mulheres não querem ou não podem ter esse filho e, muitas vezes, optam por interromper a gestação, então por que engravidam? A pergunta não é simples de responder, mas o machismo, o acesso aos métodos contraceptivos mais adequados a cada realidade e o desconhecimento sobre as possibilidades de falha são fatores importantes.
Além da pressão social imposta às mulheres como se tivessem o dever de ser mãe, a contracepção e a gravidez são sempre vistas como de responsabilidade exclusiva das pessoas que gestam, ainda que elas não engravidem sozinhas.
A camisinha masculina é considerada um dos meios mais seguros, acessíveis e de fácil utilização. Se utilizada e armazenada corretamente, evita gestações e protege contra doenças sexualmente transmissíveis. Mas, não são raras as situações em que homens se recusam a usar o preservativo, coagindo sexualmente suas parceiras.
Violência em casa
O estupro marital, ou seja, o ato de forçar sexo em um relacionamento afetivo, também pode provocar gravidezes não planejadas. Apesar de pouco discutido, pela imposição de uma cultura patriarcal e machista, como se a mulher fosse obrigada a manter relações sexuais, a violação conjugal começa desde cedo.
Uma em cada 4 adolescentes que têm relacionamentos íntimos serão vítimas de violência física e/ou sexual por parte do parceiro até completarem 20 anos – cerca de 19 milhões de meninas no mundo -, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS). O estudo foi publicado na revista científica The Lancet Child & Adolescent Health, em julho deste ano.
Informações erradas e perigosas
Uma gravidez indesejada também pode ser resultado da divulgação mal feita de informações médicas em relação à infertilidade feminina. Segundo a ginecologista Halana Faria, do perfil Ginecologia Feminista e colunista d’AzMina, é cada vez mais comum que as pessoas sejam aterrorizadas quanto à dificuldade de engravidar depois dos 35, especialmente depois dos 40 anos. Isso gera um descuido no uso de contraceptivos, vistos como desnecessários, já que a fertilidade estaria muito baixa.
O cenário da maternidade tardia se transformou nos últimos 20 anos: em 2000, apenas 9,1% dos bebês nasceram de mães com 35 anos ou mais, já em 2020, esse percentual subiu para 16,5% do total de nascimentos. O aumento é apontado pela FioCruz em comparação de dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS).
As mesmas características podem ser observadas em pacientes diagnosticadas, por exemplo, com a síndrome do ovário policístico e endometriose. Embora ambas as condições possam afetar a fertilidade — a endometriose está associada à infertilidade em cerca de 30% dos casos — a falta de clareza na comunicação médica frequentemente gera desinformação e insegurança, ressalta Halana Faria.
Evidências científicas
“A maneira como isso tem sido comunicado é muito cruel, baseado em terrorismo, e fazer isso não é boa ciência”, afirma a ginecologista Halana. Ela defende que os profissionais devem traduzir dados e evidências científicas para que as pessoas possam fazer uma melhor gestão da sua vida reprodutiva e decidam com base em informação e não no medo.
Para a ginecologista e obstetra Andrea Menezes Gonçalves, as principais razões pelas quais muitas engravidam quando não desejam ter filhos são falta de acesso à informação, aos serviços de saúde de qualidade e aos métodos aprovados pela OMS no setor público. Andrea ressalta que os métodos contraceptivos falham. “Hoje, não há nenhum método que seja 100% eficaz”, informa a ginecologista.
Em alguns casos é recomendado combinar métodos
O método contraceptivo mais usado pelas brasileiras é a pílula oral (58%), de acordo com a pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos, em 2021. Se usado corretamente, seguindo as instruções da bula e sem esquecer de tomar os comprimidos, o anticoncepcional proporciona uma boa proteção contra a gravidez. Mas algumas precauções são necessárias.
A estudante de medicina veterinária Tainara*, de 24 anos, tomava anticoncepcional desde os 15 anos para tratar cistos nos ovários. Aos 22 anos, após uma série de problemas com refluxo e diarreia, além do uso de antibióticos por conta de uma bichectomia, a estudante engravidou.
“Em casos de diarreia intensa, não dá tempo desse comprimido ficar o suficiente ali no intestino para ser absorvido”, explica Andrea. E o antibiótico, segundo a ginecologista, também pode competir com certas enzimas, para ser metabolizado pelo organismo, prejudicando o efeito do anticoncepcional. Por isso, para tratamentos mais longos, com muitos antibióticos, a recomendação é usar preservativo.
Alguns cuidados são necessários para a camisinha ter alta taxa de eficácia, como a verificação da validade, o armazenamento em locais frescos e o desembrulho da embalagem para não rasgar.
Tainara tomava a pílula no mesmo horário, todos os dias. “Eu tinha até despertador no meu celular, ele (o anticoncepcional) sempre tava na minha bolsa, não importava para onde eu ia”. Ela acredita que engravidou por não saber que diarreia e antibiótico cortam o efeito.
A descoberta da gravidez, no primeiro momento, foi triste e chocante, porque ela não se sentia preparada. Estava no segundo ano da faculdade e ganhava apenas R$ 600 como recepcionista. Tainara viveu muitas dificuldades na gestação e um puerpério difícil. Hoje, vive feliz com sua filha. “É maravilhoso, eu não vivo mais sem ela”. Assim que a menina nasceu, a estudante colocou o Implanon e se sente mais segura.
Implante subcutâneo em eficácia
O implante subcutâneo, mais conhecido como Implanon, é um método contraceptivo sem estrogênio e com progestina, que interrompe o ciclo menstrual, impedindo a ovulação e alterando o muco cervical para impedir o deslocamento do espermatozoide. Com ele, a pessoa não tem controle do fluxo menstrual, ou seja, não escolhe quando vai menstruar.
Apesar de haver contraindicações, como nos casos de trombose e alergia, hoje, o Implanon é considerado o método contraceptivo mais eficaz, com 99,95% de eficácia, de acordo com o Manual de Anticoncepção, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).
O pequeno bastonete de plástico, inserido sob a pele, libera o hormônio para a corrente sanguínea continuamente. “Hoje em dia, a OMS preza muito por esses métodos, porque a chance de falha deles é muito menor por não ter que tomar todo dia, né?”, explica Andrea Menezes. O efeito contraceptivo do Implanon tem duração de três anos.
Mas a exceção, de 0,05%, ocorreu com a gerente de vendas Ana Lúcia Reis, de 38 anos, que já tinha quatro filhos, quando decidiu colocar o Implanon. Ela não foi informada da possibilidade de engravidar com o método e, quatro meses após a inserção do implante, vieram os enjoos e as cólicas.
“Eu fiquei em choque. Demorei algumas semanas para falar até mesmo com meu marido”, conta Ana. Agora, seu marido fará uma vasectomia, já que a laqueadura não foi um método aconselhável pelo médico, porque aumentaria seu fluxo e sua cólica.
Vasectomia é uma alternativa simples para os homens
A vasectomia é um procedimento mais simples e menos invasivo se comparado à laqueadura tubária. Ela consiste no bloqueio do canal deferente, que impede que os espermatozoides cheguem até o pênis durante a ejaculação, evitando uma gravidez. Assim como a laqueadura, a vasectomia passou por mudanças em relação à legislação. Hoje, a pessoa precisa ter no mínimo 21 anos e não necessita mais da autorização do cônjuge.
Logo após a cirurgia, o homem ou o casal deve usar preservativo, ou outro contraceptivo, pois a esterilização masculina demora em torno de 3 meses para fazer efeito. De acordo com o urologista cirurgião Marcelo Linhares, se o paciente desejar, a vasectomia pode ser revertida cirurgicamente. Apesar de raro, ela também pode ser revertida espontaneamente.
Carla Chaves, médica veterinária, engravidou aos 33 anos de um ex-namorado vasectomizado há 4 anos. Apesar de saber que nenhum método contraceptivo é 100% seguro, ela jamais imaginou que isso aconteceria.
A ginecologista Andrea explica que há chances de as pontas cortadas do canal deferente crescerem de novo e se unirem. A desinformação a respeito da necessidade de fazer análise do sêmen após a cirurgia é outra possibilidade de falha. “A maioria dos casos que vi de gravidez após a vasectomia, era porque o marido não tinha feito essa contagem pós-cirúrgica para ver se realmente zerou o número de espermatozoides”, diz.
A gravidez não planejada foi devastadora para Carla, há 11 anos, porque ela nunca teve vontade de ser mãe e não estava preparada financeiramente. Ela teve depressão na gravidez e depressão pós-parto. “Eu fiquei 12 dias internada antes do meu filho nascer e ele nasceu prematuro. Então tudo isso mexeu muito comigo.”
O pai do seu filho irá refazer a vasectomia e Carla utiliza anticoncepcionais orais enquanto aguarda para colocar o DIU. Ainda assim, ela confessa que não se sente segura. “Hoje eu sou apaixonada pelo meu filho, ele veio para mudar muitas coisas na minha cabeça, mas é tenso, muito tenso”, afirma.
DIU pode ser de cobre ou hormonal
O DIU é um pequeno dispositivo intrauterino em formato de T. Existem dois tipos disponíveis: o de cobre e o hormonal. O DIU de cobre, não possui nenhum hormônio e é coberto por fios do metal. Através da emissão de íons no organismo, os espermatozoides têm a movimentação limitada e são impedidos de entrar no útero. Oferecido pelo SUS, ele pode ser mantido por até 10 anos.
O hormonal, como o das marcas Kyleena e Mirena, tem pequenas doses de progesterona que agem no útero e são absorvidos pela corrente sanguínea, impedindo a entrada de espermatozoides. O DIU com hormônios dura de 5 a 7 anos e não é oferecido pelo SUS, apenas particular ou planos de saúde.
Antigamente, havia o mito de que jovens sem filhos não podiam usar DIU, porque depois teria problema para engravidar. “Esses mitos já caíram por terra e a OMS valoriza esse método, porque a possibilidade de falha deles é muito menor por não ter que tomar todo dia”, explica Andrea Menezes.
Naiumi Goldoni, de 39 anos, atriz e criadora de conteúdo nas redes sociais e mãe de duas meninas, procurou um método que fosse eficaz e não dependesse da sua memória para uso diário. Por recomendação médica, optou pelo DIU hormonal em 2021, com prazo para retirada até 2026.
Três anos depois, após um fluxo intenso de sangue em suas roupas, a atriz procurou o atendimento médico. Para a sua surpresa, estava grávida. “Eu tinha convicção de que não haveria problema com o DIU perfeitamente posicionado, sem deslocamento, totalmente dentro da validade, como era o meu caso”, conta Naiumi.