Quais são as consequências das novas regras anunciadas pela Meta para mulheres, negros, imigrantes e LGBTQIA+?

14 de janeiro, 2025 Folha de S. Paulo Por Camila Cetrone

Empresa responsável por Facebook, Instagram e WhatsApp afrouxou diretrizes sobre conteúdos baseados em gênero e imigração e retirou checagem de fatos especializada por considerá-la “enviesada”. Especialistas falam a Marie Claire sobre os impactos em crimes de ódio virtual e desinformação, mas apontam dificuldades que Meta pode ter para implementar regras no Brasil

A Meta anunciou nesta terça-feira (7) que decidiu acabar com a checagem de fatos para conter fake news em suas redes sociais. A empresa ainda revisou diversas diretrizes de moderação de conteúdo, sobretudo os que dizem respeito ao que se enquadra ou não em discursos de ódio. A ideia ao alterar as políticas de regulamento das redes seria eliminar “regras excessivamente restritas sobre temas como imigração e identidade de gênero”, segundo anunciado pelo novo diretor de políticas globais da companhia, Joel Kaplan.

Em vídeo publicado em sua conta no Instagram, Mark Zuckerberg afirmou que as agências responsáveis pela checagem de fatos (que estava em vigor desde 2016) “foram muito enviesadas e destruíram mais confiança do que criaram, especialmente nos Estados Unidos”. “Vamos nos livrar deles”, continuou o CEO da Meta, que está por trás do Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp.

O plano agora é que a sinalização de fake news seja realizada da mesma forma como faz o X, rede social de Elon Musk: coletivamente. Usuários voluntários redigem as chamadas notas de contexto, que são levadas à votação. Se receber votos suficientes para serem consideradas válidas, são acrescentadas abaixo da postagem.

Organizações e especialistas de alcance global, além da imprensa internacional, criticam as novas regras. Definem que ambas as medidas podem aumentar a desinformação nas redes sociais (com impacto fora delas) e argumentam que as novas diretrizes podem ferir direitos humanos ao incentivar discursos discriminatórios de mulheres, negros, imigrantes, pessoas LGBTQIAP+, entre outros grupos marginalizados.

Duas das novas inserções acendem um alerta por propiciar aumento de discurso de ódio. A primeira permite que sejam feitas alegações sobre “doença mental” ou “anormalidade” para definir orientação sexual e identidade de gênero para expressar opiniões políticas e religiosas. A segunda, libera comentários sobre “limitações baseadas em gênero de militares, agentes públicos e trabalhos educacionais”. “Também permitimos o mesmo conteúdo baseado em orientação sexual, quando o conteúdo for baseado em crenças religiosas”, segue a diretriz.

A Meta ainda removeu das antigas diretrizes a proibição de se referir a mulheres como “objetos decorativos ou propriamente objetificá-las em geral” ou usar a palavra “isso” para se identificar a pessoas transgênero e não binárias. Além disso, dá sinal verde para fazer discursos que criticam o acesso de pessoas trans a espaços demarcados por gênero, como banheiros, escolas, serviço militar e serviços de saúde, por exemplo; e removeu uma proibição que impedia “alegações de que [pessoas ou grupos específicos] espalharam o novo coronavírus”, em resposta a ataques xenofóbicos recebidos por usuários asiáticos, sobretudo chineses.

Outro apontamento em voga: as novas políticas são um alinhamento da Meta à política trumpista – eleito no último ano, Donald Trump assume a presidência dos Estados Unidos pela segunda vez no próximo dia 20. Esse ponto é enfatizado por Juliana Gonçalves, especialista em comunicação no Observatório da Branquitude e mestra em políticas públicas em Direitos Humanos, e Mariana Valente, professora na Universidade de Saint Gallen, na Suíça, diretora do InternetLab e autora do livro Misoginia na Internet (ed. Fósforo, 2023).

Como as novas regras da Meta podem aumentar crimes de ódio virtual no Brasil?

Gonçalves, Valente e mais especialistas ouvidas por Marie Claire enxergam as mudanças anunciadas pela Meta com “receio e preocupação” e as definem como um “retrocesso da política construída anteriormente”.

“Já está posto que a desinformação impacta nossa sociedade, da política à saúde até questões da vida cotidiana. Se formos pensar em vídeos manipulados produzidos a partir de inteligência artificial, o desafio da desinformação fica cada vez mais complexo”, acrescenta Issaaf Karhawi, professora e pesquisadora da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

“Decisões unilaterais, como essas anunciadas pela Meta, comprometem o debate público, abrem caminho para a amplificação de desinformação em larga escala, crimes virtuais e diversas formas de violência”, afirma Déborah De Mari, CEO da plataforma Força Meninas, que capacita meninas para atuar na área STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática).

A preocupação é que, sem a checagem de fatos, mas sobretudo a moderação dos conteúdos, as ocorrências de discurso de ódio nas redes da Meta alavanquem ainda mais. Para se ter ideia, entre outubro e dezembro de 2020, o Facebook chegou a remover ou diminuir o alcance de 26,9 milhões de postagens que feriam suas diretrizes (um aumento de 389% comparado ao mesmo período em 2019).

No Brasil, esse cenário vem se dramatizando há algum tempo. Em 2022, a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos da Safernet recebeu mais de 74 mil denúncias de crimes de discurso de ódio, o que representou um salto de 67,7% comparado a 2021.

Os crimes que mais cresceram foram xenofobia (crescimento de 874%), intolerância religiosa (456%) e misoginia (251%), mas ainda houve aumento de racismo, LGBTfobia e apologia a crimes contra a vida. Um estudo publicado em 2023 pelo laboratório de dados do Complexo da Maré Data_Labe aponta que 81% de usuários negros e LGBTQIA+ já entraram em contato com discurso de ódio nas redes sociais.

“Sem esse controle, a tendência é que isso piore e o ambiente se torne cada vez mais tóxico aos usuários”, diz Gonçalves. “As redes sociais são uma extensão da esfera pública, acaba funcionando como um laboratório para incentivar violências físicas ou apontar um espaço propício para o crescimento de grupos supremacistas. As regras anunciadas por Zuckerberg mostram que existe um espaço propício para a propagação de discursos de ódio e uma série de violações de direitos”, acrescenta.

“Casos como vazamento de fotos íntimas, discursos de ódio e, mais recentemente, manipulação de imagens íntimas por IA [chamadas de deep nudes] têm se tornado uma ameaça crescente para mulheres e meninas”, diz De Mari, que também se preocupa com o aumento destes crimes. “”Além disso, a decisão de não moderar conteúdos políticos e opinativos agrava o problema, permitindo que informações falsas sejam validadas como ‘liberdade de expressão’”, continua.

Por outro lado, mesmo antes da atualização das diretrizes, Issaaf Karhawi observa que existia uma moderação que visava, na verdade, diminuir o alcance de contas que abordem direitos de minorias ou, por exemplo, sexologia (que busca abordar o sexo de uma perspectiva positiva e de saúde pública).

“Conheço nem um, nem dois, mas alguns influenciadores que falam de pautas LGBTQIA+ e que foram penalizados, levaram shadowban, tiveram o alcance diminuído. Há uma opacidade que não permite entender porque certos conteúdos são mais entregues que outros. O que Zuckerberg chama de ‘censura’, na verdade, é a governança e diretrizes de comunidade que toda plataforma tem, mas que é difícil de difícil acesso ao usuário”, explica a professora, que pesquisa influenciadores digitais.

“As redes sociais não são espaços neutros que permitem a transmissão de informações e mensagens, essa é uma ideia falaciosa. A própria moderação e a lógica do algoritmo têm objetivos comerciais que não sabemos exatamente quais são”, complementa. Se as regras novas foram implementadas no Brasil, a retirada de postagens discriminatórias do ar pela própria plataforma não deve acontecer. Será preciso acionar a Justiça, já que o artigo 19 do Marco Civil da Internet diz que as redes só se responsabilizam se há desrespeito à ordem judicial ou teor violento na publicação.

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